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Cabo Delgado: Governo admite que situação continua complexa

Lusa
5 de novembro de 2020

O ministro do Interior de Moçambique reconhece que continua complexa a situação em Cabo Delgado. Grupos insurgentes intensificam os ataques em aldeias mais a norte da província na busca por logística e mantimentos.

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Província de Cabo Delgado é palco há três anos de ataques armados Foto: AFP/M. Longari

"A situação continua complexa, a guerra nunca foi uma boa coisa. É só olharmos para o número de deslocados que se fazem à [cidade de] Pemba, com todos os riscos", declarou esta quarta-feira (04.11) o ministro do Interior, Amade Miquidade, em declarações à comunicação social à margem de um evento público em Maputo.

Segundo o governante, os grupos insurgentes intensificam os ataques em aldeias mais a norte da província na busca por logística."Eles estão a assaltar aldeias para roubar mantimentos para sua própria logística", frisou Amade Miquidade, que aproveitou para lamentar a morte de pelo menos 40 pessoas, incluindo deslocados, na sequência de um naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo, no norte de Moçambique.

A embarcação, que saía de Palma com destino à Pemba, levava mais de 70 pessoas e o naufrágio ocorreu devido ao mau tempo e ao excesso de carga, disse à agência Lusa, na terça-feira, o presidente do Conselho Autárquico de Pemba, Florete Simba Motarua.

Outras fontes locais disseram à Lusa que um número desconhecido de corpos foi encontrado nas margens da ilha do Ibo, o mesmo local onde alguns sobreviventes procuraram refúgio depois do naufrágio.

Vaga de deslocados

A capital de Cabo Delgado está desde meados de outubro a receber uma vaga de deslocados, que viajam em barcos precários até Pemba, devido a novos ataques em distritos mais a norte daquela província do norte de Moçambique.

Centenas de deslocados chegam ao norte de Moçambique

No total, segundo dados oficiais, chegaram a Pemba cerca de 11.200 deslocados desde 16 de outubro e as autoridades municipais alertam para a falta de espaço para receber novas pessoas.

De acordo com o autarca, Florete Simba Motarua, "a cidade de Pemba tinha mais de 204 mil habitantes, segundo o último censo geral da população", em 2017, "mas neste momento há mais de 300.000".

A província de Cabo Delgado é palco há três anos de ataques armados desencadeados por forças classificadas como terroristas. Há diferentes estimativas para o número de mortos, que vão de mil a 2.000 vítimas.

Governo cometeu erro ao permitir ocupação de Mocímboa 

A diretora para África do Projeto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED, na sigla em inglês), Jasmine Opperman, alertou na quarta-feira (04.11) para "o erro" do Governo de Moçambique em permitir a ocupação de Mocímboa da Praia por rebeldes, assinalando que há recrutamentos de "livre vontade".

"Um dos maiores erros que o Governo fez foi permitir que os insurgentes ocupassem Mocímboa da Praia por um longo período de tempo, porque temos vistos novos recrutas a juntarem-se, e a juntarem-se de livre vontade", disse Jasmine Opperman, durante o seminário virtual "A segurança marítima pode virar a maré contra os insurgentes de Cabo Delgado", organizado pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS África).

Jasmine Opperman, Forscher von ACLED, USA
Jasmine Opperman, especialista em contraterrorismoFoto: privat

A especialista assinalou que "há uma perceção" de que o recrutamento é feito através de raptos, mas que no caso de Mocímboa da Praia, vila na província de Cabo Delgado, que tem sido alvo de ações de rebeldes fundamentalistas islâmicos, "isso não é o caso".

Jasmine Opperman mostrou-se preocupada com a realização de operações de treino em território moçambicano, dadas por estrangeiros. "Uma das informações que é muito perturbadora é que o [grupo extremista] Estado Islâmico enviou uma pessoa para Moçambique, até Cabo Delgado, para realizar treinos. É um dos aspetos mais perturbadores até agora", disse a investigadora, especialista em contraterrorismo.

É necessário "entender o que se passa" e que não se ignore "o aumento súbito da sofisticação da insurgência", defendeu a especialista, sublinhando que há uma causa que "não é sobre ganância", mas sim "uma identidade sobre um sistema de crença específico para alcançar certos objetivos".

"Há combatentes que estão dispostos a morrer pela causa por que lutam, e é importante perceber isso", destacou. É preciso lembrar que muitos dos que são raptados são pequenos rapazes, "facilmente doutrináveis", acrescentou a diretora do projeto ACLED para África, frisando ainda que Cabo Delgado já passou "a fase inicial de uma brutalidade indiscriminada".

Opperman apontou que "há uma completa desintegração social em Cabo Delgado", o que leva a que jovens se identifiquem com os rebeldes, e salientou não ver qualquer reconhecimento desta realidade a nível nacional, regional, continental ou internacional. "O Governo precisa de olhar para as suas infraestruturas de segurança, de comunicação" e "de se abrir a uma total cooperação", defendeu.

Deslocados de Cabo Delgado recebem terrenos