"Dívidas são reflexo da podridão do regime que governa"
22 de outubro de 2021Os bancos Credit Suisse e VTB vão pagar multas às autoridades norte-americanas e britânicas em reconhecimento das irregularidades cometidas no escândalo das "dívidas ocultas".
As duas instituições financeiras acordaram, em 2013 e 2014, emprestar mais de 2 mil milhões de dólares às empresas ProIndicus, Ematum e MAM, numa operação que teve a empresa Privinvest como principal pivot.
Edson Cortez, diretor-executivo do Centro de Integridade Pública (CIP), diz agora que está na hora de Moçambique tomar medidas para reaver esse dinheiro e receber uma compensação pelos danos causados ao Estado. Porque uma coisa está à vista de todos, refere Cortez: "O principal objetivo" do Estado moçambicano foi "esconder o envolvimento de todo um grupo que faz parte do regime" e, com o assumir de responsabilidades do VTB e do Credit Suisse, "a defesa dos arguidos que estão a ser julgados em Moçambique fica mais fragilizada".
DW África: Afinal, o CIP tinha razão quando advogava que os moçambicanos não deveriam pagar as "dívidas ocultas"?
Edson Cortez (EC): Acho que, para os moçambicanos que ainda tinham algumas dúvidas, fica claro que estas dívidas não são para nós pagarmos. Há pessoas que são responsáveis por elas e devem pagá-las, não o povo moçambicano. Bem recentemente, nós, CIP, publicámos um relatório e mostrámos que estas dívidas já tinham custado à economia do nosso país, entre 2016 e 2019, cerca de 11 mil milhões de dólares norte-americanos, muito mais que o valor contraído por estas empresas.
DW África: Como é que Moçambique pode fazer com que as pessoas que contraíram estas dívidas as paguem, sendo que o próprio Estado se assumiu no mercado internacional como avalista das mesmas?
EC: A forma como o Estado moçambicano correu para assumir, por exemplo, a dívida da Ematum mostra que o problema destas dívidas não é um problema do Governo do ex-Presidente Armando Guebuza. Estas dívidas são o reflexo da podridão do regime político que governa Moçambique. O regime correu para tapar o sol com a peneira e para apresentar o Estado como avalista das dívidas, sem querer perceber as reivindicações que eram feitas, não só pela sociedade civil, como também pelos diferentes atores da sociedade que já tinham sérias dúvidas sobre este negócio. A maior preocupação do Estado moçambicano foi garantir que os credores não saíssem prejudicados. Isto mostra, de facto, que o principal objetivo era tentar esconder das pessoas o envolvimento de todo um grupo que faz parte do regime.
DW África: Esta revelação do VTB, assim como do Credit Suisse, mostra que não há crimes perfeitos?
EC: Eu acho que eles cometeram um erro grave, que foi tentar defraudar investidores norte-americanos. Eventualmente, se tivessem defraudado investidores chineses, a China poderia vir cá e dizer "olha, não vamos fazer barulho sobre este assunto, mas o vosso mar está hipotecado até que me paguem a dívida". Nos Estados Unidos a história foi diferente, e por via disso foram acionados mecanismos legais.
DW África: Poderá estar aberta alguma janela para Moçambique reclamar que já não vai pagar as dívidas? Até porque as próprias entidades que emprestaram dinheiro reconhecem que houve falhas…
EC: Eu julgo que sim. Há espaço para o país reivindicar ou não o pagamento das dívidas e também uma justa compensação pelos danos causados. Porém é preciso notar que não se dança o tango sozinho, são precisas duas pessoas…
DW África: Ou seja…
EC: O Credit Suisse não atuou sozinho. Para atuar, precisou da Privinvest e do Governo de Moçambique para lhe dar garantias para o negócio. Por isso, neste momento, acho também que, se disserem que o Credit Suisse tem de compensar Moçambique, é legítimo que este diga "ok, posso até compensar, mas não fui o único que beneficiei do teu calote". A Privinvest deve também compensar, assim como as elites moçambicanas, que também beneficiaram, e muito, desse calote.
DW África: Isto significa que, para o Estado moçambicano se poder ver livre destas dívidas, há ainda muito em jogo?
EC: Uma das coisas que vai acontecer, na minha opinião, é que a defesa dos arguidos que estão a ser julgados aqui em Moçambique fica mais fragilizada. Porque se o Credit Suisse, que era um dos grandes "players" para se perceber toda esta engenharia que levou a esta grande fraude, já [assumiram a culpa], não me parece que haja elementos para que se possa considerar que tenha sido um negócio transparente. Isso só reforça as suspeitas da Procuradoria-Geral da República.