Moçambique: Vitória da FRELIMO é uma ameaça à democracia?
6 de novembro de 2019A vitória da FRELIMO com maioria qualificada nas eleições de 15 de outubro, tira o sono a vários setores da sociedade moçambicana. Para um país que vive em democracia há cerca de 25 anos, a vitória retumbante do partido no poder é entendida como um retrocesso e um perigo.
O MDM, a segunda maior força da oposição, que perdeu onze assentos no Parlamento, olha a circunstância com maior atenção. Lutero Simango é o líder da bancada parlamentar e entende que "em qualquer democracia ter mais do que dois terços dos deputados é uma ameaça à democracia, à convivência democrática e, de certa maneira, cria um ambiente imprevisível."
A ameaça
Desconfiado afirma que "quem tem dois terços pode alterar a Constutuição, tem meio caminho andado para impor as regras. Esses dois terços não podem ser vistos de ânimo leve, traduzem uma ameaça ao Estado de direito que está em construção ainda."
Guilherme Mbilana, especialista em direito eleitoral e contencioso eleitoral, também não augura uma abertura por parte do partido vencedor. Em termos de distribuição de influência ao nível do Parlamento fala em perdas para a oposição e consequentemente para o país.
"Garantidamente há um retrocesso porque havia uma espécie de check and balance [verificação] e algumas das medidas e posicionamentos da Assembleia da República resultavam de alguma negociação. Se calhar a FRELIMO vai se arrogar em não negociar com os outros por achar que a maioria qualificada lhe vai dar espaço para decidir a seu bel-prazer", vaticina Mbilana.
Um poder hegemónico não desejável
À parte questões subjetivas, há aspetos concretos que mudarão no Parlamento e nas assembleias provinciais, a favor da FRELIMO, de acordo com o especialista em direito eleitoral.
Mbilana diz "Quanto à condução das várias comissões isso também tem influência direta, porque a maioria qualificada signfica praticamente estar a frente de quase todas as comissões de especialidade. E isso é o mesmo que não haver repartição da governação provincial, todas as províncias estarão sob governação do partido FRELIMO.
"Então, isso pressupõe um poder hegemónico da FRELIMO, portanto, é o que vai acontecer também ao nível da Assembelia da República, o que não é desejável", conclui.
Face ao cenário há quem acredite mesmo que o país terá características monopartidárias, não obstante viver oficialmente uma era multipártidária.
E como ficarão as liberdades?
E o maior receio, tanto dos partidos políticos como da sociedade civil, é do cerceamento das liberdades, garantidas pela Constituição.
Lutero Simango, do MDM, tem a consciência de que, mais do que nunca, o lema "a união faz a força" deve estar na ordem do dia : "Penso que toda a sociedade civil tem de lutar para salvaguardar o que conquistamos, nós todos temos que manter essas liberdades bem vivas, continuar a dizer as verdades e continuar a lutar para que em Moçambique haja, de facto, um Estado de direito."
Mas diante das hipóteses pouco otimistas, o que resta a uma oposição incipiente na Assembleia da República?
"Serão tempos muito dificeis e vão requerer da oposição uma reinvenção e que repense outra estratégia de luta política. Quem tem dois terços na Assembleia da República tem todas as condições para manipular e para se impor, agora temos de esperar para ver", diz Simango.