Mali é quase exclusividade entre temas africanos da imprensa alemã
25 de janeiro de 2013O semanário Die Zeit avaliou na quinta-feira (24.01) que a crise no Mali mostra que "África e Europa são inseparáveis": "entre eles [o Mali] e nós [a Europa] só há água".
A jornalista Andrea Böhm escreve que "o leitor de jornais europeus que vê o noticiário sobre a África deve ficar extremamente confuso". É que, de um lado, o destaque da imprensa alemã é para a crise no Mali, o terrorismo na região, favelas e superpopulação. "Mas a página de economia traz artigos sobre o salto para a frente dos países africanos, da urbanização dinâmica, 'boom' dos recursos naturais e bom clima para investimentos".
Para a jornalista, existe um elemento que concilia as perspectivas aparentemente contraditórias: "o olhar sobre uma nova dependência rotativa dos dois continentes. A intervenção militar francesa no Mali [para combater grupos fundamentalistas islâmicos que dominam o norte do país] acelerou dramaticamente essa percepção. O caso do Mali marca o fim da ilusão europeia de que os países ao sul do deserto do Saara podem ser afastados numa combinação de cercas na fronteira e ajuda ao desenvolvimento. Na era da Euráfrica, isso não funciona mais", opina Böhm.
A jornalista ainda alerta que esta não é uma convocação para intervenções no Mali, sob o lema de que a França, a Alemanha e a Europa também estariam sendo defendidos em Bamako, nem que a "nova era" pode ser justificada com uma obrigação de combate conjunto ao terrorismo, já que vários grupos extremistas islâmicos representam um perigo "que ultrapassa fronteiras na região".
Fragilidades facilitam crises como a do Mali
O artigo do Die Zeit diz ainda que o terrorismo islâmico costuma identificar fragilidades políticas em várias regiões do mundo, usando esses "buracos" para agir. "Vários países – não só o Mali – passam atualmente por crises diferentes, de gravidade variada, e precisam reavaliar as próprias percepções de bem estar social e de democracia, assim como a utilidade de modelos de Estado deixados pelas antigas potências coloniais", escreve Andrea Böhm.
Países como o Mali também têm uma história de 50 anos de independência – conquistada no interior das fronteiras "arbitrariamente traçadas pelos antigos senhores europeus e habitadas por diferentes grupos étnicos. Além disso, esses Estados carregam o peso de um modelo de Estado centralizado".
A descentralização no Mali começou, mas não terminou, diz um entrevistado do Die Zeit. O "federalismo fracassado" acabou por preparar o terreno para o terrorismo islâmico no país. E "a Europa não ajudou muito – mesmo com todas as promessas, retóricas, de combate à corrupção e à má governança".
Sem marionetes em África
Além disso, "a premissa ocidental de combate ao terrorismo convida as elites do poder de países africanos a paralisarem processos de reformas políticas, mas principalmente o combate à corrupção. Andrea Böhm cita o exemplo do Uganda de Yoweri Museveni, que "assim que questionado sobre as suas práticas de governo ameaça retirar soldados da Somália, onde combatem grupos radicais islâmicos. As críticas calam".
A jornalista alemã também explica que, na Euráfrica, as elites africanas "nunca foram marionetes, mas sempre acabaram por ser atores individuais com interesses de poder. E, especialmente em tempos de crise financeira, a questão da legitimação estatal se coloca agora na Europa – e os papeis de doador e receptor não estão mais claramente definidos".
Um dos exemplos "mais simbólicos" é um pedido do primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, à ex-colônia Angola, segundo maior produtor de petróleo do continente africano, para investir no país europeu endividado. "O pedido foi amplamente ignorado pela opinião pública. Mas, agora, Angola cresce e Portugal pede", diz o artigo do Die Zeit.
Alegados abusos de direitos humanos no Mali chamam atenção
O jornal suíço em língua alemã Neue Zürcher Zeitung destaca a acusação de representantes do grupo étnico dos tuaregues – protagonistas do início da crise maliana por quererem a independência da região norte do país – contra soldados e civis malianos. A acusação diz que cidadãos malianos de pele clara e oriundos do norte do país estariam sendo atacados pelas forças militares e por cidadãos.
Organizações de defesa dos direitos humanos também alertaram para ações de "vingança" na ofensiva para reconquistar o norte do país. Nesta quinta-feira (24.01), a Federação Internacional pelos Direitos Humanos (FIDH) acusou soldados malianos de terem realizado várias execuções sumárias contra tuaregues e árabes no norte do país.
O mesmo jornal também publicou matéria avaliando a questão financeira da intervenção militar francesa no Mali. "Financeiramente, a França ainda consegue manter – com restrições – o engajamento militar no Mali. Mas os militares estão operando no limite", escreve o Neue Zürcher Zeitung.
No jornal Der Tagesspiegel, o ministro francês da Defesa, Jean-Yves Le Drian, disse no entanto que "o nosso objetivo é a reconquista total [do norte do Mali]". O mesmo diário também publicou outro artigo avaliando o engajamento dos Estados Unidos no Mali: "Washington quer assumir a luta contra a Al Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI). É uma rota de marcha para o oeste", titula o Tagesspiegel.
Por outro lado, diz o Süddeutsche Zeitung, as "tropas africanas não estão preparadas para uma guerra no deserto, estão mais habituadas à floresta tropical", portanto seriam um "reforço fraco" às tropas francesas.
O Tagesspiegel também publicou uma entrevista com o historiador militar Herfried Münkler, que listou alguns "bons motivos" para uma participação da Alemanha, que prometeu apoio logístico às tropas francesas, no conflito maliano: "solidariedade europeia [não seria bom 'deixar os franceses sozinhos'], universalidade [se a chanceler Angela Merkel diz que existe uma ameaça para a Europa vinda do Mali e as normas da Alemanha 'valem para todos'] e praticabilidade [as fronteiras do Mali são 'administráveis', o que quer dizer que o conflito pode ser resolvido militarmente]".
"A hora dos tubarões azuis"
"A equipe das ilhas cabo-verdianas apresenta-se resoluta", elogiou o diário alemão Frankfurter Allgemeine Zeitungna sua edição da última segunda-feira (21.01). O resultado do jogo de estreia – e de abertura – do Campeonato Africano de Nações (CAN) 2013 foi sem graça, de acordo com o jornal: um empate a 0 contra os anfitriões, os Bafana Bafana da África do Sul. "Também a prestação de Angola contra Marrocos, que terminou sem gols, ofereceu mau futebol", avaliou o jornal.
"Mas, mesmo assim, houve um vencedor: os Tubarões Azuis, a seleção cabo-verdiana de futebol", diz o texto do FAZ, destacando que a equipe é uma "seleção surpresa" que participa do CAN pela primeira vez.
"Não estamos aqui só para participar do CAN", diz o capitão e defesa Fernandes Neves, de 34 anos, citado pelo FAZ. Neves joga pelo Châteauroux, clube da segunda liga francesa. E parece que o capitão – ao menos por enquanto – tem motivos para confiar num bom desempenho da equipe.
Após o segundo jogo contra o Marrocos (23.01), em que houve empate de 1 a 1 numa partida tecnicamente pobre, qualquer uma das equipes do Grupo A ainda pode se classificar para as quartas-de-final. A África do Sul lidera o grupo, com 4 pontos, seguida de Marrocos e Cabo Verde, cada um com dois pontos. Angola, equipe também conhecida como Palancas Negras, é a lanterninha do grupo: conquistou apenas um ponto até agora, depois de perder para a África do Sul por 2 a 0 (23.01).
Lembrando a conhecida emigração de Cabo Verde, os jogadores da seleção nacional cabo-verdiana "estão espalhados aos quatro ventos", de acordo com o Frankfurter Allgemeine Zeitung, que ainda cita o atacante Ryan da Garça Mendes, de 22 anos, que diz que o motivo para a auto-confiança dos cabo-verdianos é o seguinte: "Somos como uma pequena família que se vê raramente, mas que num encontro raro quer se divertir e jogar futebol".
Autora: Renate Krieger
Edição: António Rocha