Mais um jornalista é levado a tribunal em Angola
5 de setembro de 2013A acusação baseia-se num artigo que Domingos da Cruz escreveu enquanto jornalista do semanário angolano “Folha 8”, em 2009.
Com o título "Quando a guerra é necessária e urgente", o jornalista recorria à teoria segundo a qual quando o detentor do poder público, nesse caso o Presidente da República, não responde às necessidades do povo, então o povo tem o direito democrático de derrubá-lo.
O jornalista acusado falou com a DW África sobre o processo em que está envolvido.
DW África: Por que razão vai a tribunal pela quinta vez, depois de quatro adiamentos sucessivos?
Domingos da Cruz (DC): Sim. Pelo facto de ter defendido esta ideia, mais ou menos similar ao estilo da Primavera Árabe. A Procuradoria-Geral da República entendeu que eu estava a incitar à guerra e à violência, tendo aberto um processo contra mim. Portanto, a razão central é o conteúdo que consta no meu artigo.
Pois, claro, eu defendia uma guerra de estilo democrático, no sentido do povo chamar a si o poder, uma vez que as atuais instituições do regime dominante não respondem às necessidades do povo, para não dizer que é efetivamente um regime autoritário.
DW África: Essa acusação tem alguma base legal?
DC: Efetivamente constitui uma ficção do ponto de vista da racionalidade jurídica. Existe um princípio jurídico segundo o qual “sem lei não há crime”. E por este facto não faz sentido absolutamente nenhum tal acusação, na medida em que o crime de incitação à desobediência coletiva e à violência efetivamente não existe no ordenamento jurídico angolano.
E por isso, tal acusação só demonstra exatamente a necessidade de lutarmos para que possamos ultrapassar este estado de coisas em Angola, tando do ponto de vista político, económico, para não falar do sistema de justiça que está completamente sob controlo do poder político hegemónico.
DW África: Mas então o que é que vai fazer ao tribunal na sexta-feira (06.09)?
DC: Como deve calcular, vou ao tribunal para responder a "nada", do ponto de vista metafísico, porque efetivamente não existe crime nenhum. Para além disso, a tal lei foi revogada sendo substituída por uma outra que é a Lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado.
Surpreende-me ainda o facto de, mesmo que tenha cometido algum excesso, investido dessa "autoridade" de jornalista e cidadão, uma opinião se transformou em crime.
DW África: Como é que o MISA (nstituto de Comunicação Social da África Austral), o Sindicato dos Jornalistas e a própria classe jornalística encaram esta situação?
DC: No caso da classe, vários colegas estão apreensivos e cada vez mais preocupados. Como deve calcular, isto tem um efeito negativo: um auto-policiamento do exercício jornalístico. Ainda não tive reação nenhuma do Sindicato. Mas o MISA, tanto regional quanto a nível da representação em Angola, tem-me dado todo o apoio, de natureza moral e outros inerentes à instituição.
Mas muitas vezes as pessoas querem apoiar em espírito e alma e, contudo, não podem fazer muita coisa porque estamos sob escuta, nos telemóveis, nos "emails", na rede social Facebook. Tudo isso leva a que as pessoas se retraiam muito na manifestação das suas posições.
DW África: Acorbadando-se?
DC: Claro, mas respeitamos essas pessoas porque esta é a realidade que vivemos em Angola
DW África: Face ao que acaba de dizer, pode-se concluir que os jornalistas fazem um auto-policiamento em termos de produção de ideias e de pensamento?
DC: Com certeza, absolutamente. Isto é um efeito sobre o qual, inclusive, muitos jornalistas em debates ou em diálogos mais ou menos privado dizem, por exemplo: ”sobre isso, eu queria pronunciar-me mas não posso fazê-lo". Ou então alguns colegas, quando estão a elaborar um texto, perguntam-me: “Domingos, o que achas? Esta frase pode custar-me um processo ou não?".
Trata-se de um exercício de terror, encontramo-nos num ambiente de catástrofe, do ponto de vista das liberdades para o exercício do jornalismo. E se o jornalista não tiver efetivamente liberdade, então não efetivamente a fazer jornalismo.
DW África: Nos últimos tempos, tem sido exercida uma grande pressão sobre ativistas e jornalistas em Angola. Será que o regime de Luanda teme alguma situação de difícil controlo?
DC: De acordo com a nova conjuntura, do ponto de vista geopolítico internacional, parece-me que o regime entende que a qualquer altura pode despoletar uma situação complicada. Tem-se dito que Angola é uma espécie de barril de pólvora e falta-nos só identificar onde está o fósforo para que tal barril possa eclodir.
DW África: Existe o receio de uma Primavera árabe à angolana?
DC: Com certeza. É tão evidente. E as provas estão no facto do regime temer qualquer manifestação de ideias livres, autênticas, sobretudo quando as pessoas clamam pelos seus direitos.