João Lourenço não conquistou a confiança de todos angolanos
24 de setembro de 2018Só na última semana, vários ex-altos dirigentes angolanos foram condenados à prisão. O antigo ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás, estaria detido preventivamente desde a passada sexta-feira (22.09), no Hospital Prisão São Paulo - indiciado pela prática dos crimes de peculato, corrupção e branqueamento de capitais.
No processo conhecido como "Burla à Tailandesa" foi aplicada a prisão domiciliária pelo Tribunal Supremo ao político do MPLA Ernesto Manuel Norberto Garcia.
Além das prisões, Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, e o ex-governador do Banco Central, Valter Filipe, foram acusados formalmente pelo Ministério Público de, entre outras coisas, crime de peculato e branqueamento de capitais - no caso de desaparecimento de 500 milhões de dólares do Fundo Soberano de Angola.
Essas medidas judiciais seriam a materialização da promessa que o Presidente João Lourenço fez de combater a corrupção e o nepotismo?
"Tudo indica que sim," afirma o jurista Nelson Domingos.
"Durante a campanha eleitoral houve a promessa de combate à corrupção e luta contra o nepotismo e, tão logo assumiu a Presidência da República, [João Lourenço] deu seguimento a isso," considera.
"No entanto, acredito que para concretizar as promessas, ele precisaria de ter o controlo do partido. Tão logo que assumiu o partido, no discurso de tomada de posse foi categórico ao afirmar que se houvesse necessidade os primeiros a cair seriam extamente do próprio partido. Na verdade, as investigações que já estavam em curso, agora começam a apresentar os primeiros sinais," defende Domingos.
Não há novidade
Mas há quem não seja tão otimista assim. O jurista Pedro Kaparakata recorda que detenções também aconteceram durante a presidência de José Eduardo dos Santos.
"Acho que ainda não refletem o que ele [João Lourenço] prometeu, tendo em conta que, neste país, durante a governação de José Eduardo dos Santos, houve ocorrência de prisões de dirigentes do MPLA - inclusive de altos funcionários das Forças Armadas. É o caso do general Miala. Muito antes, tivemos o caso de um governador do Cuando Cubango e delegados de vários ministérios foram sendo presos e julgados e condenados," enumera o jurista.
"O fato de se prender o então ministro dos Transportes não significa que é sinal de alguma mudança. Para que isso fosse sinal de alguma mudança, era preciso partir de um ponto de que durante a governação de José Eduardo dos Santos nenhum dirigente foi preso neste país," acrescenta.
Também o jornalista e presidente do MISA-Angola, Alexandre Solombe, vai pelo mesmo diapasão.
"Acho que é muito cedo tomar conclusões. Esta temática de luta contra a corrupção não é uma temática nova. Nos anos 90, o MPLA já abordou esta temática da corrupção, por ocasião do segundo congresso," recorda.
"Por aí se pode concluir que João Lourenço, como um bom comissário - ele foi o chefe da Direção Política das Forças Armadas Angolanas – consegue tocar em pontos que mais preocupam as pessoas. Há efetivamente algumas medidas que foram tomadas, mas não há um ataque sistemático e de forma estruturada para que se possa declarar já uma vitória no combate contra a corrupção," avalia Solombe.
Impunidade na base do ceticismo
Entretanto, Angola nunca viu, desde a sua independência em 1975, nenhum filho de Presidente ser acusado formalmente de algum crime. Mas nem mesmo este fato inédito convence os analistas mais céticos.
"Também entende-se que nos estritos termos da lei deveriam estar encarcerados, e como se sabe, essas pessoas continuam a gozar de liberdade plena. Logo, não se pode afirmar categoricamente que aí há alguma mudança," considera Pedro Kaparakata.
Para o jurista, João Lourenço deve mudar a lei se, de fato, quer mudanças. Mas Kaparakata está convicto de que tal nunca irá acontecer.
"É preciso combater a impunidade. Para eu crer que o João Lourenço, de fato, vai normalizar a área da justiça, era preciso que se aprovasse uma lei em que qualquer dirigente que for indiciado na prática de um crime, o Presidente da República, dependendo da retirada das imunidades, terá de o fazer no prazo de 15 dias. E ele não vai assinar essa lei, vai entregar aos ministros ou os membros do legislativo. Essa lei ele não vai assinar," garante.