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"Luanda Leaks": Tudo feito para proteger alguns?

3 de fevereiro de 2020

A TIAC - Portugal admite, à luz do "Luanda Leaks", que o país "tudo fará para não devolver o dinheiro roubado" a Angola, dando o exemplo do processo movido pela Justiça portuguesa contra Manuel Vicente.

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Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente de Angola José Eduardo dos SantosFoto: AFP/M. Riopa

Karina Carvalho, diretora executiva da Transparência Internacional - Associação Cívica (TIAC - Portugal) entende que Portugal e Angola têm responsabilidades partilhadas na prevenção e combate à corrupção, tal como o dever de cooperarem ativamente na recuperação de ativos, uma vez que fazem parte da Comissão das Nações Unidas contra a Corrupção.

Mas, segundo Carvalho, Lisboa ignorou e continua a ignorar deliberadamente os acordos de cooperação jurídica e judiciária com Angola e as suas responsabilidades no combate à corrupção. A colaboradora da TIAC critica ainda a inação do Banco de Portugal, responsável pela regulação do sistema financeiro no país.

"Quando me pergunta o que posso esperar da atuação de Portugal sobre o caso 'Luanda Leaks', só posso responder que espero muito pouco ou quase nada. Portugal tudo fará para não devolver o dinheiro roubado, isto é um facto infelizmente", responde Carvalho, quando questionada sobre o caso que expõe transações financeiras duvidosas de Isabel dos Santos e não só.

"Luanda Leaks": Tudo feito para proteger alguns?

A diretora executiva da TIAC - Portugal diz que o que se passa com Manuel Vicente é um exemplo paradigmático disso, com a agravante de Portugal e Angola não quererem mexer no ex-vice-Presidente angolano. Para a ativista, há razões que explicam por que motivo Vicente se mantém intocável: "Enquanto Isabel dos Santos é uma figura do regime de José Eduardo dos Santos, [Manuel] Vicente é ainda uma figura do MPLA. Sempre foi o facilitador dos negócios do MPLA, e isto faz toda a diferença", sublinha.

"Oportunidade para João Lourenço se impor"

O Presidente João Lourenço elegeu a bandeira de combate à corrupção em Angola e continua firme nesse sentido. No entanto, acrescenta Karina Carvalho, o chefe de Estado está refém do partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que, na sua perspetiva, se estrutura através de redes de clientelismo e de enriquecimento ilícito à custa da máquina do Estado.

Considera que, enquanto o Estado se confundir com o partido no poder, Angola nunca estará verdadeiramente livre de corrupção. Carvalho acha que o "Luanda Leaks" é uma oportunidade única para o Presidente João Lourenço se impor perante o MPLA e empreender mudanças estruturantes em prol da defesa dos direitos humanos e da dignidade das condições de vida de quem o elegeu.

Mas com um senão: "Para isso, o Presidente João Lourenço não se pode ficar apenas pela Isabel dos Santos. Tem que limpar o Estado e o MPLA da corrupção. Acho que isso só será possível quando der cumprimento ao mandato judicial que coloca Vicente completamente apartado dos negócios do Estado".

A responsável afirma que "um Presidente corajoso não precisa de Manuel Vicente para se fazer eleger".

João Lourenço, Präsident von Angola, im Gespräch mit DW
João Lourenço, Presidente de AngolaFoto: DW/M. Luamba

"Está tudo feito para proteger pessoas como Manuel Vicente"

Sedrick de Carvalho escreveu recentemente um extenso artigo sobre o império empresarial e financeiro construído por várias figuras da elite angolana que teriam alegadamente saqueado o erário público, entre as quais o ex-administrador da Sonangol, Manuel Vicente.

Para o jornalista e ativista, Isabel dos Santos, filha primogénita de José Eduardo dos Santos, não seria a principal beneficiária dos esquemas de corrupção em Angola. Sedrick de Carvalho também aponta o dedo ao ex-vice-Presidente de Angola."Há pessoas como Manuel Vicente que estão profundamente envolvidas nos esquemas de corrupção", afirma. "Quando chega ao ponto de corromper um agente público internacional como o procurador português [Orlando Figueira], isto mostra o alcance do poder económico que essa pessoa granjeou e isto mostra [também] o alcance da corrupção em que esta pessoa estava envolvida ou está envolvida".

São pessoas dentro da estrutura do poder em Angola, que continuam intocáveis, sob a proteção da elite política, reafirma Sedrick de Carvalho. "Mas isto está tudo feito mesmo para proteger pessoas como Manuel Vicente, desde que estejam dispostas a servir os novos donos, que agradem os novos patrões, aos novos senhores do poder. E como se vê, Manuel Vicente tem agradado imenso, pelo menos aparentemente, ao novo Presidente", acredita o jornalista.

Portugal Buchautor Sedrick de Carvalho
Sedrick de Carvalho, jornalista e ativista angolanoFoto: DW/Joao Carlos

Justiça angolana é "caixa de ressonância dos desígnios políticos"

O ex-preso político, que fez parte do grupo dos 15+2 revús, critica a Justiça em Angola, qualificando-a de "caixa de ressonância dos desígnios políticos". Por isso, não acredita na independência do poder judicial e aponta o dedo à incompetência da Procuradoria-Geral da República (PGR) que, estranhamente, só agora aparece como "o salvador da Pátria", quando devia ter acesso antecipado aos documentos divulgados no âmbito do "Luanda Leaks".

"Sobretudo, tem sido isso à luz dos documentos do 'Luanda Leaks', que demonstra também uma certa incompetência da própria PGR angolana. Estranho é praticamente reconhecer que não tinha acesso a esses documentos. E tenho sérias dúvidas que o Ministério Público angolano esteja a agir autonomamente", critica o jornalista.

Colaboração de Portugal é possível?

Por outro lado, Karina Carvalho considera "um absurdo" permitir que Isabel dos Santos venda as suas participações em empresas portuguesas, beneficiando dos lucros da operação, quando os seus ativos foram arrestados em Angola e sobretudo quando a PGR angolana a constituiu arguida.

Sedrick de Carvalho tem alguma dúvida na operação, a não ser que a venda dos ativos seja muito favorável ao Estado português no plano económico, pela manutenção do seu tecido empresarial e dos postos de trabalho. E pede: "Gostaria que o Estado português colaborasse no sentido de impedir essas vendas e que essas ações revertessem para o Estado angolano, mas certamente não é assim que as coisas se processam... O que prevalece são os interesses de Portugal."

O jornalista é de opinião que "talvez tais vendas possam ser prejudiciais para o Estado angolano, porque são empresas constituídas com capitais roubados de Angola".

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