Megavazamento revela esquemas suspeitos de Isabel dos Santos
20 de janeiro de 2020O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que integra vários órgãos de comunicação social, analisou, ao longo de vários meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018, que ajudam a reconstruir o caminho que levou a filha do ex-Presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África. O trabalho foi feito em parceria com 36 veículos de comunicação e tem como base 715 mil documentos confidenciais, um vazamento batizado de "Luanda Leaks”.
A principal conclusão do dossiê é que décadas de corrupção e negócios sem escrúpulos fizeram Isabel ser a mulher mais rica da África. Enquanto isso, Angola, que possui abundantes recursos naturais, como petróleo e diamantes, tornava-se um dos países mais pobres do continente e do mundo.
No fim de dezembro, um tribunal de Angola determinou o congelamento dos bens da multimilionária em um caso que investigava crimes de corrupção ligadas ao antigo papel que ela exercia em negócios públicos do país.
Segundo a investigação do ICIJ, as empresas de Isabel dos Santos beneficiaram ao longo dos anos dos contratos públicos facilitados pelo seu pai, de vantagens fiscais, de licenças de telecomunicações e de direitos para extrair diamantes. Além disso, os documentos vazados mostram que uma grande rede internacional de consultores, advogados e banqueiros a ajudou a acumular essa fortuna - estimada em mais de 2 mil milhões de dólares - e mantê-la no exterior.
Isabel nega as acusações
A empresária angolana Isabel dos Santos, a principal visada nos esquemas financeiros revelados no "Luanda Leaks”, afirmou que a investigação é baseada em "documentos e informações falsas”, num "ataque político" coordenado com o Governo angolano.
"As notícias do ICIJ [Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação] baseiam-se em muitos documentos falsos e falsa informação, é um ataque político coordenado em coordenação com o ‘Governo Angolano' (sic). 715 mil documentos lidos? Quem acredita nisso?”, reagiu a empresária, em inglês, através da sua conta do Twitter, acrescentando "#icij #mentiras".
Na conta do Twitter, onde escreveu 10 tweets em uma hora, afirma que a sua "fortuna” originou-se do seu "caráter, inteligência, educação, capacidade de trabalho e perseverança” e acusa a SIC e o Expresso de "racismo" e "preconceito”, "fazendo recordar a era das colónias em que nenhum africano podia valer o mesmo que um europeu".
"Os 'leaks' são autênticos? Quem sabe? Ninguém... estranho mesmo é ver a PGR [Procuradoria-Geral da República] de Angola a dar entrevistas à SIC-Expresso. Procurador Geral de Angola a dar entrevistas... a canais portugueses!", escreveu a empresária numa dessas mensagens.
"Império empresarial em paraísos fiscais"
A filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos está no comando de um império empresarial, formado por mais de 400 empresas e filiais - muitas delas em paraísos fiscais - e possuem imóveis e bens exclusivos ao redor do mundo, incluindo uma mansão avaliada em 55 milhões de dólares em Monte Carlo, um iate de 35 milhões de dólares e uma casa de luxo em uma ilha de Dubai.
O ICIJ tem sede em Washington e obteve a maior parte dos documentos por meio de uma plataforma para proteger denunciantes em África. Segundo a organização, as empresas de Isabel prestaram ao longo da última década vários serviços ao Governo de Angola. O custo do trabalho é avaliado em mil milhões de dólares.
Marido da Isabel acusado
Enquanto isso, Isabel e seu marido, Sindika Dokolo, utilizaram uma rede de empresas de fachada para evitar que o escândalo fosse revelado e para investir em imóveis e outros negócios.
Um dos investimentos mais importantes é a participação na empresa portuguesa Galp, avaliada em 800 milhões de dólares. De acordo com os documentos vazados, isso só foi possível graças a um empréstimo muito vantajoso concedido pelo Governo angolano.
A participação na Galp foi vendida em 2006 ao casal pela petrolífera estatal de Angola. Dez anos depois, a companhia foi dirigida por Isabel, que, na época, também aproveitou a oportunidade para desviar recursos para favorecer seus próprios negócios.
José Eduardo dos Santos deixou o poder em Angola em 2017, depois de quase 40 anos controlando o país, que passou boa parte desse tempo em guerra civil.