Lisboa recorda os 50 anos da reabertura do Tarrafal em Cabo Verde
9 de abril de 2012O historiador António Valdemar e o cenógrafo Fernando Filipe resumem em 30 painéis e obras literárias os vários momentos que marcaram a guerra colonial em África, iniciada há 51 anos. Uma evocação desse acontecimento histórico durante o regime salazarista que deixou marcas inapagáveis em várias gerações de portugueses e africanos, mas também na vida cultural e artística de Portugal.
A exposição começa com uma identificação geográfica do chamado Império português, antes da guerra colonial. É, assim, retratada “a presença nos territórios africanos e também na chamada Índia portuguesa - que terminou com a intervenção do Estado da Índia e anexação daquele território -, Macau e Timor”, como explica o presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), José Jorge Letria.
“Campo da Morte Lenta”
Organizada cronologicamente, a mostra retrata a fase inicial do regime, em 1936, com a fundação da Mocidade Portuguesa, inspirada nos modelos fascistas italiano e alemão. Desperta o público depois para o lugar que ocupou neste percurso histórico a colónia penal do Tarrafal, que foi erguida na ilha de Santiago, em Cabo Verde, em abril de 1936, e encerrada em 1946. Voltaria a ser reaberta como campo de reclusão dos independentistas africanos, em 1961.
O Tarrafal, também conhecido como “Campo da Morte Lenta”, foi considerada uma das mais cruéis prisões políticas da ditadura, também inspirada nos modelos da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini. Por isso, “era fundamental dar destaque ao Tarrafal, desde logo como símbolo dessa memória trágica que custa a vida, o sofrimento e a privação de liberdade a milhares de homens portugueses e africanos das colônias”, explica o presidente da SPA.
O escritor angolano Luandino Vieira, que vive em Portugal, é uma das pessoas que esteve detido uma boa parte da sua vida no campo de concentração do Tarrafal, que Cabo Verde quer transformar em património mundial.
A mostra também evoca outros períodos marcantes da guerra colonial, passando por Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. “É um momento em que o regime percebe com clareza que não só perdeu a Índia como tem forças nas colónias que se organizaram também militarmente, sobretudo depois do impulso recebido pelo Vaticano, mas que têm condições, até do ponto de vista internacional, para terem apoio que aponte no sentido das independências africanas”, recorda Jorge Letria.
Papel de Zeca Afonso em destaque
A canção, mas também a ação de escritores, poetas, dramaturgos, jornalistas, historiadores, sociólogos e cineastas, foram instrumentos importantes entre as várias formas de protesto contra a guerra colonial, iniciada em 1961 e que durou 13 anos. Esta contribuição militante também está expressa na exposição.
“Guerra Colonial – Tarrafal 50 anos depois” evoca figuras e obras que deram voz e projeção nacional e internacional à guerra colonial. Uma das vozes dos protestos pela liberdade e contra a guerra é a do músico Zeca Afonso, que morreu em 1987 e “teve um papel de charneira em todo este processo, não só como cantor, mas como referência ideológica e ética”, lembra Jorge Letria. Uma das suas canções, “Grândola Vila Morena”, acabou por ser escolhida pelos militares do Movimento das Forças Armadas (MFA) como senha do movimento libertador do 25 de abril de 1974.
A exposição deverá percorrer vários lugares do país pelo interesse que tem despertado como memória de uma parte da História de Portugal.
Autor: João Carlos (Lisboa)
Edição: Madalena Sampaio/Helena Ferro de Gouveia