Justiça moçambicana não dá tréguas a Manuel Chang
29 de novembro de 2022A Justiça moçambicana acaba de abrir uma nova frente judicial contra o antigo ministro das Finanças daquele país, detido na África do Sul, no âmbito processo das dívidas ocultas. Desta vez, o Ministério Público de Moçambique acusa Manuel Chang de receber pagamentos indevidos efetuados pela construtora brasileira Odebrecht.
Numa nota, a que a agência Lusa teve acesso esta terça-feira (29.11), o Ministério Público avança que Chang éacusado de corrupção passiva para cometimento de ato ilícito, participação económica em negócio, abuso de cargo ou função e branqueamento de capitais.
Chang está detido há quase quatro anos na África do Sul e espera uma decisão do Supremo Tribunal de Recurso sobre a sua extradição para Moçambique ou para os Estados Unidos.
Em entrevista à DW, o especialista em direito internacional André Thomashausen não acredita que o novo processo contra Chang possa travar a extradição do antigo ministro para os EUA, que "terá que acontecer".
DW África: André Thomashausen, em que pé se encontra o caso Chang na África do Sul?
André Thomashausen (AT): Em Moçambique, Manuel Chang não é arguido no processo das "dívidas ocultas", simplesmente foi chamado como testemunha ou como pessoa de interesse. E foi esse o grande problema no processo de extradição, em que Moçambique tentou frustrar a extradição para os EUA, apresentando um pedido somente baseado no facto de estarem à procura de Manuel Chang como testemunha. Sendo assim, os tribunais aqui na África do Sul têm considerado que a única extradição legalmente possível é a extradição para os Estados Unidos, onde Manuel Chang é acusado formalmente.
DW África: O que se sabe sobre este novo processo?
AT: Tem a ver com a empresa de construção civil brasileira Odebrecht, mas trata-se de montantes relativamente pequenos comparados com o processo das "dívidas ocultas", e parece que foram assuntos que ocorreram durante o mandato de Manuel Chang como ministro, [uma posição] que lhe concede imunidade e [em que fica] sujeito a segredo de Estado.
DW África: Está a dizer que é um processo muito pequeno e não vai interferir em nada do que está em curso?
AT: É um processo pequeno e pouco importante, é uma coisa que praticamente já está esquecida. Não vai ter impacto nenhum aqui no processo de extradição, que ainda está a decorrer. A extradição para os Estados Unidos está a ser mais uma vez atrasada por causa de mais um último recurso interposto por Moçambique, desta vez ao Tribunal Supremo da África do Sul, pedindo que Moçambique seja autorizada a apresentar um recurso contra o julgamento anterior. É algo bastante técnico, que evidentemente só serve para atrasar aefetiva extradição para os Estados Unidos, que terá que acontecer. Só que agora vamos entrar no período das férias, e aqui, no hemisfério sul, as férias de dezembro são as férias de verão, época em que faz muito calor. Os tribunais vão encerrar daqui a uma semana e vão retomar os trabalhos no fim de janeiro. Portanto, não poderemos esperar uma decisão antes do fim de fevereiro ou março.
DW África: Com este novo processo, como é que avalia a atuação do Ministério Público moçambicano perante Manuel Chang?
AT: Acho que o Ministério Público de Moçambique tem agido por instrução direta do Presidente [da República], que na altura era o ministro da Defesa, a pessoa responsável pelo projeto das dívidas que depois se tornaram "dívidas ocultas". O Presidente Nyusi tem absolutamente um interesse pessoal e imediato em que o ex-ministro das Finanças não venha a revelar de maneira alguma quem lhe instruiu a fazer o que fez ou assinar o que assinou. Porque é inconcebível que Chang tenha feito estas assinaturas e entrado nestes compromissos sem ter sido instruído para tal. E é isso que realmente está a atrasar o processo. É por isso que o Chang, desde há quatro anos, está detido aqui na África do Sul, a aguardar a decisão final e a execução desta decisão para sua extradição.