Prioridade para energias fósseis em África
6 de setembro de 2018Há décadas que o carvão, o petróleo e o gás são o motor do rápido crescimento económico na Europa, América do Norte e grandes economias asiáticas. Ao mesmo tempo, as populações nos países pobres do mundo ainda sofrem por causa da falta de energia. Apesar disso, estão cada vez mais expostas a fenómenos extremos do clima por causa do aquecimento global.
"Mais de 500 milhões de pessoas em África não têm eletricidade, não têm interruptor para ligar a luz, nem tomada para carregar o telemóvel, ou frigorífico para conservar alimentos," diz Alison Doig, diretora para política global da organização de assistência Christian Aid. "É um enorme escândalo. Simultaneamente o continente africano começa a sofrer as consequências da alteração do clima."
Com a notável exceção dos Estados Unidos da América, todos os países se comprometeram a reduzir as suas emissões, de modo a limitar o aquecimento global. Mas para alcançar a meta, os países industrializados necessitam de mudar radicalmente a sua política energética e fomentar as chamadas energias limpas ou verdes. A lógica dita que estes países estejam também interessados em encorajar um desenvolvimento mais limpo no resto do mundo.
Porém, uma análise recente da agência de pesquisa e consultoria Oil Change International (OCI) constata que entre 2014 e 2016 60% do financiamento público internacional no setor em África foram canalizados para as energias fósseis. Para as energias limpas sobraram meros 18%, com o restante financiamento dedicado a "outros” projetos, incluindo energias renováveis de impacto social ou ambiental duvidoso, como gigantescas centrais hidroelétricas e biomassa.
"O financiamento público da energia em África por outros países é completamente virado para os combustíveis fósseis,” disse à DW David Turnbull, da OCI.
Faz o que eu digo, não faças o que eu faço
A Alemanha, grande defensora das energias limpas em conferências internacionais e famosa pela sua política nacional de fomento das renováveis, foi o maior investidor europeu bilateral em projetos de energia em África entre 2014 e 2016.
O estudo da OCI mostra que a Alemanha investiu quatro vezes mais em energias fósseis do que naquilo que a OCI considera serem "tecnologias limpas”, sobretudo energias solar, eólica e geotermal, para além de assistência no aumento do consumo das renováveis.
O banco de desenvolvimento alemão KfW, uma instituição estatal, recusou-se a comentar os números por "ser incerto como os dados foram recolhidos”. Mas a instituição acrescenta num e-mail dirigido à DW que "o KfW apoia o processo de transformação na economia com o objetivo de fomentar o consumo de gás, ou, especialmente, fontes de energia renovável para a geração de energia”.
O relatório da OCI salienta que mais de dois terços dos investimentos alemães em três anos foram canalizados para as centrais de energia de gás que a empresa alemã Siemens está a construir em Beni Suef, no Egito. Parte dos fundos são provenientes da KfW-IPEX, uma subsidiária da KfW. O banco contesta que se trate de fundos que possam ser qualificados de financiamento público.
Anna Pegels, pesquisadora do Instituto Alemão do Desenvolvimento (DIE), diz que o gás, que é mais limpo e flexível que o carvão, pode complementar energias renováveis flutuantes numa mistura de fontes de energia menos virada para o carvão. Mas, globalmente, admite Pegels, os esforços para eliminar o combustível sujo ainda deixam muito a desejar.
"Para ser franca, duvido que haja qualquer país no mundo verdadeiramente decidido a pôr cobro à energia fóssil”, afirma a pesquisadora, sublinhando que não houve qualquer reação adversa na Alemanha quando, recentemente, o Governo admitiu que o país vai falhar os objetivos de redução de emissões para 2020.
"Estamos a colocar as prioridades erradas e se não estamos a tomar as medidas indicadas em casa, porque é que o havíamos de fazer lá fora?”
O maior investidor em energia africana é a China. Pequim é celebrado como líder mundial em energias renováveis. Mas 85% dos seus investimentos em África foram para o carvão, petróleo e gás, afirma o OCI.Também o investimento multilateral não prioriza as energias limpas. Segundo o relatório, mais de metade dos investimentos do Banco Mundial no período em causa foram para combustíveis fósseis. Só um dólar em cada seis foi para projetos de energia limpa.
O Banco Mundial recusou-se a dar uma entrevista à DW. Mas um porta-voz da organização disse por e-mail que havia "reservas no que toca a metodologia usada pela Oil Change International”.
"Nos três anos em questão, o financiamento de energia fóssil representou 28% do total do financiamento da energia pelo Banco Mundial na região – o que se deve, sobretudo, a quatro grandes projetos em andamento,” escreve aquela instituição.
Eternizar a dependência da energia fóssil
Turnbull reconhece que algumas instituições multilaterais criticam os números do estudo, "mas a análise é muito clara e não há como negar que as energias fósseis estão a ser financiadas com fundos públicos de forma pouco apropriada”.
Turnbull diz que o mesmo se aplica ao Banco Europeu de Investimento, por seu turno financiado por países que se posicionam como progressistas em questões do clima. "Importa questionar porque estes países dizem uma coisa sobre os seus compromissos com as alterações do clima, mas depois financiam as energias que estão a causar a crise”, disse o ativista.
O problema é que quanto mais infraestruturas são criadas, mais difícil se torna reformar a produção de energias sujas. "Os investimentos são sempre de longo prazo”, explica Turnbull, acrescentando que os projetos são planeados para períodos que podem ir até 40 anos.
Ainda assim há alguns sinais de mudança. No final do ano passado, o Banco Mundial anunciou que a partir do final de 2019 deixará de investir na exploração de gás e petróleo. E alguns países industrializados recebem melhores notas do que a China e a Alemanha.
Responsabilidade Africana?
A França tornou a alteração do clima o foco central dos seus investimentos em África. Metade do financiamento da energia é canalizada para projetos de energia limpa. O mesmo se aplica ao Japão, apesar deste país ser criticado por não reduzir as emissões em casa.
Happy Khambule, consultor da Greenpeace África para o clima e a energia, diz que estes números são encorajadores. "Há uma competição entre a forma antiga e moderna de fomentar o desenvolvimento”, diz Khambule. "O que nos dizem os dados novos é que a maneira tradicional de fazer as coisas já não é a única possível.”
Mas tendo em conta a seca e as enchentes resultantes da alteração do clima que já afetam o continente africano, a mudança vai ter que chegar muito mais rapidamente. Khambule diz que se a comunidade internacional não começar a agir de forma responsável, compete aos países africanos resistir às tentativas de lhes impingir modelos antiquados de consumo de energia. "Somos nós que devemos exigir dos nossos governos que nos prestem contas quando tomam as decisões erradas,” disse Khambule à DW.