Interesses económicos em Angola calam comunidade internacional
29 de novembro de 2013
Fortes acontecimentos marcaram a semana em Angola. Em especial, as prisões de quase três centenas de manifestantes, em todo o país, e a morte de Manuel Hilberto Ganga, líder juvenil do partido da oposição CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola-Coligação Eleitoral), a tiro por um membro da Unidade de Segurança Presidencial, no sábado passado (23.11).
Até mesmo o cortejo fúnebre de Ganga, na quarta-feira (27.11), em Luanda, foi marcado por um forte aparato das forças policiais que recorreram a gás lacrimogéneo. No entanto, sobre estes acontecimentos, pouco se ouviu da comunidade internacional.
Segundo o historiador e sociólogo suiço Jon Schubert, doutorando em Estudos Africanos pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, e que viveu 10 anos em Luanda, o posicionamento passivo das grandes potências se deve aos interesses económicos, especialmente por parte dos países europeus em crise.
Jon Schubert constata que “o poder angolano está a investir de uma maneira muito forte na economia portuguesa”, por exemplo. Assim, se explica o “receio por parte não só da política portuguesa mas também da própria União Europeia de falar sobre a política interna e a situação socioeconómica em Angola”.
O especialista suiço com experiência em Angola crê que “nesse clima de crise e austeridade, na Europa, os governos europeus estão mais dispostos a fechar os olhos em troca de investimentos”.
Apenas organizações de Direitos Humanos erguem a voz
As declarações internacionais mais contundentes em repúdio às violentas repressões à liberdade de expressão que se passaram em Luanda vieram da organização não- governamental Human Rights Watch, que exigiu das autoridades angolanas uma investigação profunda do assassinato de Manuel Ganga e dos excessos cometidos pela polícia.
Também a secção portuguesa da Amnistia Internacional apelou a investigações imparciais. Em relação aos governos internacionais, Angola continua a dar uma imagem de impávida e serena por força do seu recurso mais abundante: o petróleo.
Segundo o especialista em Estudos Africanos, Jon Schubert, “noutros contextos, a comunidade internacional mais facilmente ameaça com sanções, como aconteceu há poucos meses atrás com o caso do Ruanda. O Governo angolano tem uma grande independência também graças à produção de petróleo” pelo que, “torna-se muito mais difícil influenciar a política interna angolana”, explica.
Ação interna contradiz discurso externo das autoridades
Apesar de não ter gerado uma reação forte e imediata na política global, Jon Schubert considera que a atitude do Governo angolano arranha a mensagem diplomática que ele tenta construir.
“Travar uma manifestação pacífica, dispersar a população com o uso de gás, prender manifestantes e a morte de ativistas, tudo isto contradiz a intenção e a linguagem do Presidente de Angola que se tenta projetar para fora como um Governo de modelo democrático”, argumenta o especialista em Estudos Africanos.
As autoridades angolanas justificaram a proibição das manifestações de sábado passado (23.11) e até mesmo do cortejo apeado de Manuel Ganga, na quarta-feira (27.11), por considerarem haver uma ameaça à paz e a necessidade de se manter a estabilidade conquistada.
No entanto, o especialista suiço considera que “só com esse discurso de estabilidade não vai ajudar a situação e há receio que a morte de ativistas seja um impulso para mobilizar uma parte maior da população contra o regime”. Jon Schubert alerta que “se a repressão continuar e aumentar, isso vai chamar a atenção da comunidade internacional”.
Outro aspecto que poderia motivar a comunidade internacional a intervir seria o declínio da economia. Assim, o historiador e sociólogo suiço Jon Schubert recomenda o diálogo com as multinacionais presentes em Angola como porta para as negociações.
Como alternativa, os movimentos de contestação poderiam “alertar sobre o potencial de conflito social” junto do poder económico, argumentando que o povo angolano está “nessa situação também porque vocês [as empresas] apoiaram, talvez seja tempo de repensar um pouco o desempenho aqui”, conclui Jon Schubert.