Imprensa alemã destaca atletas africanos, rinocerontes e recursos naturais
10 de agosto de 2012
Na sexta-feira (10.08), o jornal suíço em língua alemã Neue Zürcher Zeitung destacou "o maior momento da história do atletismo", proporcionado pelo queniano David Rudisha durante os Jogos Olímpicos, que terminam no domingo (12.08). Rudisha venceu no dia anterior a medalha de ouro nos 800 m e estabeleceu novo recorde mundial de 1 min. 40s91.
Já o diário Tageszeitung, também conhecido como TAZ, entrevistou o professor norte-americano John Hoberman, autor do livro Darwin's Athletes (ou "Os Atletas de Darwin") sobre "pensamentos raciais conscientes e inconscientes" no esporte e sobre o estereótipo do atleta negro.
Na entrevista, o ex-atleta Hoberman alerta para o fato de existir uma compreensão estereotipada que vê os bons resultados dos atletas negros como um reflexo de que o esporte seria "a única coisa em que os negros são bons".
"Para nós que crescemos em sociedades ocidentais, existe uma tradição racista muito forte, que dizia que os europeus brancos e os africanos são raças situadas em pólos diferentes: os europeus na ponta, em cima, e os africanos na base, embaixo. O centro imperial esperava que um pequeno grupo de 'europeus brancos' dominasse um número muito maior de pessoas com outra cor da pele, sendo fisicamente superior às pessoas com peles mais escuras", diz Hoberman.
Estereótipos ainda existem
Com a abolição da escravidão em finais do século XIX, começaram competições entre homens "negros" e "brancos" nos Estados Unidos. E muitos "negros" venciam os "brancos", o que levou a uma crise de identidade dos brancos, explica o estudioso. Os "brancos" então "passaram a argumentar que quando um homem com origens africanas vencia um homem de origens europeias no esporte, isso provava que os homens de origem africana pertenciam a uma categoria mais primitiva".
Segundo Hoberman disse à TAZ, ele acredita que as ideias fundamentais desse raciocínio ainda existem – a exemplo dos anos de racismo ininterrupto contra jogadores de futebol de origens africanas. "Na Europa do Leste, é pior que na Europa ocidental, onde existe grande aceitação de esportistas e atletas em certas modalidades. Não é que não se possa festejar a vitória de um atleta com pele mais escura – pelo contrário. Mas esse tipo de preconceito ainda existe em níveis mais profundos da sociedade, sobre essas diferenças entre pessoas 'brancas' e 'negras'", afirma o ex-atleta.
Porém, as teorias que destacam uma suposta diferença entre atletas 'brancos' e 'negros' existiriam "dos dois lados", diz Hoberman.
"Imigração boa"
Sobre a fuga de atletas de Camarões durante os Jogos Olímpicos de Londres, o Berliner Zeitung descreve a capa do diário britânico Daily Telegraph – "pareciam fotos de 'procurados'", diz o texto. As fotos que apareceram no jornal inglês eram dos atletas camaroneses Drusille Ngako, guarda-redes reserva da seleção de futebol, do nadador Paul Ekane Edingue, e dos boxeadores Thomas Essomba, Christian Adjoufack, Yhyacinthe Abdon Mewoli, Serge Ambomo e Blaise Mendouo.
Os atletas sumiram da Vila Olímpica durante os Jogos. Segundo o Berliner Zeitung, não preocuparam a direção da delegação camaronesa, que também não viu crime por trás da fuga dos atletas.
Pelo contrário, a delegação até esperava que alguns deles escapassem, já que já aconteceram situações similares nas Olimpíadas de Sydney e de Atenas, quando atletas saíram das respectivas equipes para tentar uma vida melhor – e condições melhores de treino – no exterior. Um fenômeno que não é novo.
Os britânicos, sim, teriam ficado preocupados, diz o jornal. Esperavam também que 2% dos cerca de 10 mil atletas e delegados que viajaram para Londres para disputar os Jogos com o chamado visto olímpico não deixariam o país após as competições.
"Se, por um lado, Londres foi amigável por causa das Olimpíadas, os britânicos, entretanto, agem de forma restritiva com os imigrantes chamados de herdeiros do Commonwealth, que garante a cidadania britânica a habitantes das antigas colônias do Reino Unido", explica o Berliner Zeitung.
Existem casos em que os imigrantes esperam muitos anos para conseguir um passaporte britânico, escreve o diário alemão, lembrando o caso da atleta Yamilé Aldama, nascida em Cuba. Ela teve de esperar dez anos pela cidadania porque o marido foi preso no início da década por tráfico de heroína – e o processo de Aldama ficou parado pelas autoridades.
O massacre silencioso de rinocerontes
Na África do Sul, caçadores furtivos matam rinocerontes para vender o chifre do animal para países asiáticos, onde o material é tido como remédio milagroso. O semanário alemão Die Zeit deu destaque ao tema na quinta-feira (09.08), com um dossiê especial que mostra como políticos e protetores de animais discutem como os rinocerontes africanos podem ser salvos da extinção.
A reportagem de Bartolomäus Grill descreve minuciosamente como ficou o cadáver do 75º rinoceronte morto este ano na África do Sul, segundo as estatísticas oficiais. Se a tendência continuar como está, 600 rinocerontes deverão ser mortos até o final deste ano. Em 2011, as autoridades de proteção aos animais contaram 448 carcaças de rinocerontes – um ritmo que mata um rinoceronte a cada 20 horas, segundo diz o Die Zeit. "É um massacre silencioso", declarou Alwyn Wentzel, administrador da reserva ecológica privada Thanda, ao jornal.
Na entrevista, ele alerta para o risco de a taxa de mortes dos animais ficar maior que a taxa de reprodução. Em quarenta anos, os 24.800 rinocerontes vivendo no continente africano poderiam estar extintos, diz o semanário. Wentzel diz que acha a estimativa exagerada, mas afirma que luta pela preservação de uma espécie: "Estamos em guerra".
A população sul-africana também reage indignada, protestando diante da sede do governo em Pretória – já que o rinoceronte é considerado patrimônio cultural nacional e é motivo para turistas internacionais visitarem o país.
Além dos tiros
Mas a morte de rinocerontes é apenas parte do assunto, escreve o jornalista. "A história trata de pobreza, de ambição, de crenças equivocadas, de criminalidade organizada, de funcionários corruptos do governo e de "um sistema de roubo globalizado que desde o início do século XXI acaba com os últimos tesouros naturais do planeta", escreve Grill.
Uma história que poderia começar, por exemplo, no Vietnã, onde há quem acredite que o pó de chifre de rinoceronte tenha poderes de cura milagrosos. Um rumor que fez explodir a demanda pelo chifre de rinoceronte.
As consequências foram fatais para o rinoceronte Java do Vietnã. E, com a extinção do rincoeronte vietnamita, o próximo alvo são os rinocerontes africanos.
Segundo a Interpol, o comércio de espécies ameaçadas de extinção resulta em lucros anuais de 14 mil milhões de dólares. Os mercados com maior demanda são China, Tailândia e outros países asiáticos em ascensão, onde a classe média viu aumentar o próprio poder de compra e reflete o maior acesso a dinheiro na compra de artigos exóticos – como o pó de chifre de rinoceronte.
Segundo Joseph Okori, responsável por questões envolvendo rinocerontes na África pela organização ambiental WWF, o efeito medicinal do pó é inexistente. "[Mas] no mercado negro, 1 kg de chifre custa até 80 mil dólares – mais que 1 kg de ouro!", indigna-se o ambientalista.
O fato de um chifre de rinoceronte com peso médio de 5 kg valer 400 mil dólares explicaria o motivo pelo qual dois terços dos requerimentos para autorização de caça na África do Sul entre 2009 e 2011 vêm do Vietnã. O texto do Die Zeit escreve que são pessoas que "querem fazer negócios – mas as autoridades locais de proteção aos animais continuam concedendo licenças de caça como se nada fosse".
A sede de lucros também teria chegado a lugares bem mais longínquos, como a Alemanha, onde os chifres dos rinocerontes expostos em museus naturais foram roubados recentemente. Também na Inglaterra, Áustria, Holanda, República Tcheca, Itália e Portugal aconteceram fenômenos parecidos. A Europol registrou o roubo de 72 chifres em 15 países europeus em 2011.
Corrida pelo ouro e por recursos naturais
O diário alemão Die Welt publicou esta semana uma matéria falando da segunda corrida pelo ouro na África do Sul. "Existem centenas de montanhas em Johanesburgo, formadas pelo cascalho resultado de 130 anos de exploração de ouro. Essas cascalheiras ainda abrigam restos do metal nobre – e um negócio de milhares de milhões", descreve o jornal.
A mineradora DRD Gold Limited é o quarto maior explorador de ouro da África do Sul, mas lidera o mercado na área em que é especialista: tirar ouro das cerca de 200 cascalheiras, responsáveis por dois terços do lucro da empresa.
O jornal Berliner Zeitung publicou matéria criticando a exploração de recursos naturais em países em desenvolvimento, lembrando que uma futura lei europeia deverá obrigar empresas exploradoras a publicarem quanto dinheiro pagam por direitos de exploração no exterior.
O objetivo é evitar a corrupção e combater a pobreza – mas o governo alemão, afirma o Berliner Zeitung, se coloca contra a medida legislativa porque o país europeu tem dúvidas: será que a economia europeia não seria prejudicada em relação à concorrência norte-americana?
Também nesse contexto, o economista norte-americano Joseph Stiglitz escreveu no Financial Times Deutschland que "países com recursos minerais normalmente se desenvolvem menos que países que não têm tantos recursos – o crescimento é mais lento e as desigualdades são maiores. Para evitar a exploração, precisam acabar com contratos antigos e criar uma infraestrutura local".
Stiglitz diz que as recentes descobertas de recursos naturais em vários países africanos, como Moçambique, Gana, Uganda e Tanzânia levantam a velha questão da "bênção ou da maldição" das riquezas.
Soluções para a maldição
Para o estudioso, há três razões para a "maldição", explicadas na literatura especializada: a) países com recursos normalmente possuem moedas fortes – o que impede outras exportações; b) com a exploração dos recursos, criam-se poucos empregos, e por isso o desemprego aumenta; e c) os preços variáveis dos recursos no mercado internacional levam a uma instabilidade no crescimento econômico do país.
Para além disso, tais países nromalmente não possuem estratégias de crescimento sustentáveis: "Esquecem que, se não reinvestirem os lucros em atividades produtivas acima do solo, vão realmente ficar mais pobres. O problema é aguçado por fracassos políticos, já que conflitos pela posse dos tesouros naturais alimentam governos corruptos e não-democráticos", avalia Stiglitz.
O especialista cita os antídotos para os problemas: câmbios baixos, fundos de estabilidade, investimentos cautelosos dos lucros, restrições de crédito e transparência. Mas para Stiglitz é preciso fazer mais: "garantir que os lucros dos recursos são repassados à população".
Para ele, leilões transparentes e em forma de concursos deveriam ser a alternativa aos negócios "entre amigos", e os contratos devem ser transparentes, garantindo que, no caso de aumentos eventuais de preços, os lucros a mais não sejam destinados apenas às empresas.
Renegociar contratos
Para contratos antigos, Stiglitz propõe que os países renegociem os papeis. "Se não for possível, taxem os lucros", escreve. Mesmo com resistência das empresas, "o resultado, na maioria das vezes, é outro [além da saída da empresa do país]. Uma negociação justa pode ser base para a melhoria das relações de longo prazo".
"Também é importante investir os lucros no desenvolvimento", opina Stiglitz. "Os antigos poderes coloniais só viam a África como um lugar para ganhar recursos. Alguns dos novos compradores de terras no continente também veem a construção de estradas, ferrovias e portos como uma maneira de tirar os recursos naturais do país o mais rápido possível".
Para garantir um desenvolvimento "real", Stiglitz diz ser necessário formar os trabalhadores locais, empresas de pequeno e médio porte fornecedoras para exploradores de petróleo, minas e gás natural, aumentar a produção interna e também a integração dos recursos naturais na estrutura econômica do país.
Autora: Renate Krieger
Edição: António Rocha