Ilha de Moçambique em risco de desaparecer
15 de abril de 2017Diariamente, a histórica cidade insular continua a receber muitos turistas. Alguns apaixonam-se pela ilha ao ponto de não voltarem às terras de origem.
Foi a primeira capital de Moçambique até 1898 quando a capital passou a ser Maputo no sul do país. Hoje, a Ilha de Moçambique é famosa pelo seu valor histórico e cultural. Nesta pequena ilha com cerca de três quilómetros de comprimento, localizada na província nortenha de Nampula, vivem perto de 15 mil pessoas.
A ilha está a ruir
Mas o seu futuro está em risco. Por causa das alterações climáticas, a ilha já está a ruir. Nos últimos anos, sempre que o mar enche demasiado, as águas têm invadido parte da cidade, causando estragos nas vias de acesso e nas casas. E a erosão costeira também tem aumentado, estando as alterações climáticas entre os principais fatores.
Até ao momento já foram consumidos cerca de 300 metros, dentro da ilha, e mais de 500 metros na parte continental. Para proteger a ilha da erosão, o Conselho Municipal necessita de mais de três milhões de dólares.
"Temos uma parte de erosão do muro da contra-costa por causa do nível das ondas que está a subir cada vez mais, está a corroer. Também a zona do Lumbo [área continental], que também faz parte do município, está a desaparecer, assim como a zona da fortaleza e a zona da piscina, na própria ilha, que é um caso muito preocupante", afirma Saíde Amur Gimba, presidente do Conselho Municipal da Cidade da Ilha de Moçambique.
O Governo Provincial de Nampula diz que a situação que se vive na Ilha de Moçambique não é única na província. De acordo com Omar Aquiamundo, diretor provincial adjunto da Cultura e Turismo, há várias outras ilhas que podem desaparecer "devido a factores de aquecimento global".
Neste contexto, acrescenta o responsável, a Ilha de Moçambique encontra-se numa situação mais vantajosa, uma vez que possui "um gabinete de restauro e controlo”. "Há projetos concretos a acontecer que visam proteger a própria ilha. E há muitas organizações internacionais, falo da UNESCO, que olham por ela", acrescenta.
Para travar o problema e evitar um eventual desaparecimento da cidade insular por causa da erosão, o autarca local diz que já há uma solução à vista: o Projeto de Desenvolvimento dos Municípios. "Na parte insular já temos um financiamento do PRODEMO [Projeto de Desenvolvimento dos Municípios] que vai apoiar numa extensão avaliada em dois milhões e quinhentos meticais. Esta parte não é muito crítica, mas vamos fazer para prevenção. Para a parte crítica estamos ainda a precisar de dinheiro. São valores elevados, acima de 1,5 milhões de dólares", explica.
A importância da preservação da arquitetura
O património arquitetónico e cultural histórico fez com que, em 1991, a Ilha de Mocambique passasse a ser considerada Património Mundial da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
No entanto, atualmente, e segundo habitantes ouvidos pela DW África, a preservação da arquitetura já não se observa tanto na hora de construir ou reabilitar moradias. Genito Molava tem 27 anos e nasceu nesta ilha onde continua a viver. O também guia turístico oficial da UNESCO mostra-se preocupado com esta prática, afirmando que "os empresários e/ou as pessoas ricas que acham que o dinheiro é tudo, fazem o que querem. Às vezes desrespeitam mesmo que se exija um grande respeito. Tem havido grandes problemas de desvios do património artificial na construção de algumas casas, outras foram construídas, outras trocadas”, alerta.
O presidente do Conselho Municipal da Cidade da Ilha de Moçambique, Saíde Amur Gimba, assevera que não são permitidas mudanças arquitetónicas, apenas melhorias – desde que não se "apaguem as marcas" típicas. De acordo com Saíde Amur Gimba, a "Ilha de Moçambique é um património, portanto, não são permitidas alterações. Nós temos um regulamento de níveis de edifícios a considerar: edifícios de nível A, que não se alteram nem dentro e nem fora; nível B, que não se alteram por fora, mas podem ser alterados por dentro; nível C, nos quais se pode alterar por dentro por completo; e temos de nível D que se pode alterar dentro e fora”, enumera.
Desrespeitos na "cidade de macuti”
A Ilha de Moçambique está dividida em duas partes: a "cidade de pedra e cal" e a "cidade de macuti". A primeira acolhe os principais monumentos e edifícios melhorados. A segunda é composta por casas de construção precária, na sua maioria cobertas por macuti – as tradicionais folhas de coqueiro espalmadas.
À DW, o autarca Saíde Amur Gimba admite que há desrespeito de algumas normas na "cidade de macuti", mas associa a situação à falta da matéria-prima, que está a escassear devido a fatores climatéricos. "Como todo mundo sabe, há escassez de macuti e de pau por causa da doença de coqueiros e as pessoas não vão perder as suas casas por causa disso", explica.
Há cinco anos, a Ilha de Moçambique era uma das cidades da província de Nampula que mais sofria com o problema do fecalismo a céu aberto, pois muitos residentes não tinham latrinas. Esta era uma situação que afetava sobretudo o turismo, no entanto, a situação está agora melhor.
Mariamo Cebola, de 44 anos e moradora na ilha, mostra-se satisfeita com o progresso: "O município aconselha sempre todos a usarem os sanitários, mas há pessoas que vão defecar na praia. Este [existência do fecalismo] não é um problema do Governo, é nosso”, dá conta. Atualmente, as autoridades camarárias estão a tentar erradicar o problema de vez.
Moradores da ilha descontentes
Os problemas da ilha não se ficam por aqui. Os cidadãos daquela que foi a primeira capital do país queixam-se também dos cortes e oscilações constantes da corrente elétrica, sobretudo desde o ano passado. Segundo moradores ouvidos pela DW África, a empresa responsável pelo fornecimento de energia não cumpre o aviso prévio e nunca assume os prejuízos.
António Pinto, de 65 anos, é gerente de uma estância turística na cidade. O moçambicano de origem portuguesa reconhece que a ilha está melhor do que antes, mas os problemas de energia estão a fazer retroceder os avanços. Segundo este morador, "não há dia que não haja um corte de energia, por duas, três ou mais horas. E o pior é que são cortes que parece que alguém está a ligar e desligar o interruptor, o que dá cabo das aparelhagens ligadas à corrente. Quando há este problema falha tudo, internet, sistemas no banco...''.
O Fundo do Património de Abastecimento de Água (FIPAG) é uma das empresas que não escapa aos prejuízos originados pelos cortes diários de energia. De acordo com Amade Omar, gestor no FIPAG na ilha de Moçambique, "com o transtorno da energia, em algum momento as nossas bombas danificam-se e queimam-se através das oscilações. E também não garantem o abastecimento a 100% às populações e isso faz com que forneçamos água com restrições”.
A DW África não conseguiu ouvir os responsáveis da empresa Eletricidade de Moçambique (EDM), que se mostraram sempre indisponíveis. Mas o presidente do Conselho Municipal da Ilha de Moçambique reconhece o problema, que diz ser "preocupante".
Desemprego é outro dos problemas da ilha
Outro problema que a cidade turística enfrenta é o desemprego. Armando Ruas tem 21 anos e é pescador desde os 16, altura em que quando abandonou a escola. À DW explica que a pesca é a única forma que tem de ganhar dinheiro para ajudar a família."Quando chega janeiro [até abril] morre muito peixe e a gente faz muito dinheiro. Uma pessoa pode ganhar por dia dois mil e ou cinco mil, depende do mar também”, explica o jovem.
O Governo Provincial de Nampula promete continuar a potenciar o turismo na Ilha de Moçambique com vista a gerar mais empregos.
Ainda assim... esta é uma ilha apaixonante
Apesar de todos estes problemas, o turismo não esmorece. E há mesmo quem visite a ilha e já não queira voltar à sua terra de origem. Kyra Castello, é italiana, tem 27 anos e apaixonou-se pela Ilha de Moçambique, há cerca de dois anos, quando a visitou pela primeira vez integrada num passeio turístico. Nunca mais abandonou a ilha, estando agora noiva do guia moçambicano Genito Molava. "Normalmente volto para visitar (à Itália) para visitar a família a cada seis meses, oito, por aí. De momento vamos ficar cá,” afirmou Kyra Castello.
Todos os dias, visitam a ilha novos turistas. Alguns compram casas de residentes e fixam aí a sua moradia, o que também cria receios de que um dia a ilha possa voltar a ser colonizada, tal como aconteceu há 500 anos, relembra Saíde Amur Gimba.
"Orgulha-nos, mas também ficamos preocupados. O nosso receio é de que isso [a ilha] não venha a ser colonizada pela segunda vez. Sendo a ilha de Moçambique património cultural não se pode alterar as fachadas das casas e os moçambicanos não têm a capacidade de reabilitar uma ruína. O que está a acontecer é que a maioria das ruínas já estão nas mãos de estrangeiros. E o nosso maior receio é que eles entrem em massa e comecem a ditar os seus princípios”, explica o edil.
A idade da Ilha de Moçambique já começa a pesar, mas a cidade quer continuar a ser um lugar para viver e ser visitado. Governo e parceiros prometem, por isso, continuar a redobrar esforços para criar melhores condições sócio-económicas. E a preservar o histórico património mundial da humanidade.