Líder da RENAMO na Gorongosa é um sinal bélico?
5 de junho de 2018A decisão tomada, neste domingo, pela RENAMO, de colocar o seu líder interino na serra da Gorongosa causou alguma agitação e interrogações em Moçambique. A DW África entrevistou Aly Jamal, especialista em resolução de conflitos do ISRI (Instituto Superior de Relações Internacionais), sobre a posição do maior partido da oposição no país.
DW África: Que leitura faz da decisão da RENAMO de colocar o seu líder interino na serra da Gorongosa, principalmente neste contexto das negociações com o Governo da FRELIMO?
Aly Jamal (AJ): Tem um significado muito especial para a RENAMO. Penso que, nesta fase das negociações, tem o significado de ser o centro da coordenação militar. O símbolo da Gorongosa vem, exatamente, por ser esse centro de coordenação militar da RENAMO. Sem esse centro, a RENAMO só fica conhecida por coordenação política, que é baseada no Parlamento. Parece-me estranho, que depois de toda esta evolução, quando esperávamos que as coisas mudassem de cenário, que a liderança da RENAMO vá para a serra da Gorongosa. Por outro lado, isso pode ser lido à luz da concentração do poder militar da RENAMO em torno da Gorongosa. Quando se fala, por exemplo, dos grandes coronéis, dos grandes generais, eles só podem estar na Gorongosa. Pensávamos que isso tinha a ver com a faceta da figura do líder Dhlakama, mas agora estamos a ver que não, parece que tem a ver com a filosofia da RENAMO.
DW África: Esta decisão não será uma tentativa de se restabelecer o equilíbrio no processo negocial depois da morte de Afonso Dhlakama, uma vez que a força deste partido está assente na sua força militar e na força das armas?
AJ: Eu não diria exatamente restabelecer o equilíbrio. Diria que é uma forma de continuidade. É uma forma de alinhamento com a liderança de Dhlakama, uma forma de continuidade de um pensamento e de uma maneira de estar na política. De um modo geral, isso é surpreendente. Todos os analistas estavam à espera que as coisas não fossem assim. De um modo específico, posso assegurar que isto levanta receios, mas não levanta a ideia do resvalar dos falhanços dos processos negociais. Porque isso é outra coisa. Toda a gente já mostrou que está à espera da materialização desses processos negociais. Eu não tenho muito receio com isso. Eu já tinha confiança, quando Dhlakama estava lá, que as coisas iam acabar a bem, e que havia um bom ponto final para a resolução de toda a crise. Mantenho essa confiança.
DW África: Um vazio na serra da Gorongosa poderia trazer alguma vantagem para o Governo durante o processo negocial?
AJ: Não me parece que isso pudesse ser uma vantagem para o Governo. Não vejo isso nesses termos. O que está em causa, na minha opinião, não é só a pressão militar. O que está em causa é que já houve concordância entre as partes, sobre os assuntos que devem ser avançados. A relevância da pressão militar reduziu um pouco. Tanto é que, desde que Afonso Dhlakama declarou o cessar fogo, nunca tivemos escaramuças. Houve sempre tempo para o pacifismo. Houve sempre tempo para organização do processo a nível político.
DW África: Há a possibilidade de ter havido algum retrocesso ou algum desentendimento neste processo que terá originado esta decisão, ou que a RENAMO se tenha sentido de alguma maneira ameaçada?
AJ: Durante muito tempo a RENAMO sentiu-se desconfortável e penso que continua a sentir-se. A questão não mudou substancialmente. Há pressão do Governo, porque existe uma pressão política para os entendimentos, e depois existe uma pressão militar. A RENAMO está confinada, de algum modo, pela presença das forças governamentais nas proximidades. E isso induz à pressão psicológica e, de algum, modo à incerteza. Quais são os resultados, nas condições desses tipos de pressão? O que é que isso vai causar para nós? Até agora. Há uma pressão permanente para a RENAMO, e essa pressão não é só do nosso Governo, mas também de outros quadrantes internacionais.