Humorista angolano faz sucesso com vídeo sobre Luanda Leaks
21 de fevereiro de 2020O bairro Paraíso surgiu como um campo de refugiados da guerra civil no início da década de 1990 e ganhou estatuto de bairro em 2000. A área no município do Cacuaco é a mais populosas de Luanda - com 180 mil habitantes. A maioria dos moradores da comunidade são jovens que vivem em condições precárias. A região serve como primeira paragem ou moradia para pessoas que saem das províncias para tentar a vida na capital.
Nesse ambiente, vive um dos mais novos talentos do humor angolano. Cólua Tremura, de 26 anos, está a finalizar o curso de Medicina na Universidade Agostinho Neto. O Bairro do Paraíso serviu de inspiração e palco para ele revelar o seu talento para o stand-up comedy.
Tremura nasceu no município de Cazenga, em Luanda. Ele conta que, "devido a problemas, foi morar em Cacuaco-Quicolo" e depois transferiu-se ao bairro Paraíso. Órfão de pai, falecido dois meses depois do seu nascimento, Cólua tem três irmãos, que diz terem desempenhado um papel fundamental para que ele não enveredasse para o caminho da delinquência, uma vez que a criminalidade regista níveis alarmantes no bairro.
Cólua decidiu morar no lar de estudantes da Universidade Agostinho Neto para melhor se concentrar nos estudos. Entretanto, as memórias do lugar onde passou a sua infância são indeléveis. Violência, falta de policiamento, falta de eletricidade e condições degradadas de saneamento restringem uma série de liberdades aos moradores. A criminalidade, entretanto, é a situação mais crítica.
Transformar drama em humor
O humorista aborda temas como a grande corrupção, as desigualdades sociais, o desemprego juvenil e a fraca qualidade dos serviços públicos em Angola. "Eu tento levar isso ao stand-up comedy para mostrar um lado que normalmente não passa na televisão e para chamar atenção, porque quem é de Cacuaco sabe como é aquela área e quem não é não tem a mínima noção", explica.
Foi a cultura de leitura na universidade que o conduziu a aprofundar estudos sobre a realidade social do seu país, sobretudo dos bairros periféricos de Luanda - que espelham assimetrias sociais se comparados com os bairros das elites. Esta é uma realidade que Cólua entende como fruto do modelo de distribuição de riqueza em Angola - um tema que questiona desde a infância, mas sobre o qual nem sempre pode opinar. "Em Angola somos educados que criança não pode falar sobre política, mas eu não acho correto", diz.
O comediante sul-africano,Trevor Noah, é uma das suas grandes inspirações. Cólua também gosta de nomes sonantes do humor angolano, mas não esconde a admiração pelo seu irmão Francisco Cólua, que, não sendo humorista, faz crítica social de forma sarcástica.
"Luanda Leaks" tem mais visualizações
Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas de Angola (INE), até o terceiro trimestre de 2019, o desemprego rondava os 30,7%. Entre 2018 e 2019, a pobreza afetou 40,5% da população. Por isso que temas como o desemprego entre os jovens, os desafios no uso dos serviços públicos, a vida em bairros suburbanos como o Paraíso, sejam alguns dos temas mais interativos no seu portifólio vídeos partilhados nas redes sociais.
Entretanto, o "Luanda Leaks", caso despoletado por jornalistas internacionais, que analisa a origem da fortuna de Isabel dos Santos, filha do antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, é um dos temas mais visualizados.
"Eu estava a pensar, angolanos só gostam de roubar milhões. [ …] As crias do mano Zé têm muito hábito de roubar milhões. Zé não roubou milhões? Isabel na Sonangol é milhões aqueles, eih … pai, tem dinheiro que não se lê. Se alguém me dá aqueles milhões …" assim argumentava Cólua no vídeo sobre Luanda Leaks.
O humorista espera com o stand-up comedy ajudar várias mentes a pensar. O seu sonho para Angola é ver um Estado que dê atenção às áreas sociais.
"Eu gostaria de ver uma Angola onde os serviços públicos funcionem, funcionem bem mesmo. Por vezes, também, o Governo não injeta dinheiro suficiente, vamos considerar, para aqueles serviços funcionarem. A nossa população, a maioria depende dos serviços públicos, e quando acorre a estes serviços encontra as tais debilidades e vai sofrer mais."
Tendo a medicina e a carreira de comediante aos pés, Cólua diz pretender "salvar o maior número de vidas" como médico, mas não pensa em parar de pisar os palcos.