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Histórias de Fuga em Cabo Delgado: "Famílias acolhedoras"

Delfim Anacleto
3 de janeiro de 2023

Devido aos ataques terroristas no norte de Moçambique, muitas famílias vivem com dificuldades e sobrecarregadas, por terem acolhido parentes que fugiram da insegurança nas zonas de origem.

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Foto: Alfredo Zuniga/AFP

Devido aos ataques terroristas no norte de Moçambique, muitas famílias vivem com dificuldades e sobrecarregadas, por terem recebido parentes que fugiram da insegurança. Apesar de muitos dos que fugiram estarem já a voltar para as zonas de origem, com o retorno de alguma estabilidade, ainda há muitas pessoas acolhidas em casas de familiares, amigos e conhecidos.

Alimentação, espaço para alojar os deslocados, saúde, higiene pessoal e coletiva estão entre as várias necessidades das famílias acolhedoras.

Os ataques terroristas que assolam a província de Cabo Delgado fizeram um milhão de deslocados, de acordo com a presidente do Instituto Nacional de Gestão de Riscos de Desastres (INGD), Luísa Meque.

"Nós temos de facto 1,1 milhões de pessoas que estão deslocadas, principalmente para as províncias da zona norte, província de Nampula, de Cabo Delgado e do Niassa", referiu.

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Ataques terroristas que assolam a província de Cabo Delgado fizeram um milhão de deslocadosFoto: DW

Famílias sobrecarregadas

A situação tem pressionado os serviços públicos e sobrecarrega muitas famílias, que têm acolhido familiares, amigos e conhecidos. Casas que normalmente eram compostas por um máximo de sete pessoas acolhem agora o dobro ou mesmo o triplo.

É o caso de Maria Josefina Magemba, que vive no bairro de Natite, subúrbios da cidade de Pemba. Desempregada e solteira, é responsável pelos quatro netos, cujos pais perderam a vida. Não era fácil a provisão de alimentos e outras necessidades da família mesmo antes de receber familiares que fugiram da insegurança nas zonas mais a norte da província.

"Os netos com quem fiquei estão todos desempregados. Estudaram, mas ainda não tiveram oportunidade de trabalhar. Daí o nosso sofrimento", relata.

A casa de Maria Josefina é feita de pau a pique, "maticada" com argila e coberta com zinco. Lentamente, a infraestrutura está a cair aos pedaços. Ainda assim, a solidariedade para com as vítimas do terrorismo fala mais alto.

Quando em junho de 2022 os insurgentes estenderam as suas ações para algumas aldeias do distrito de Ancuabe, Maria Josefina abriu as portas a sete elementos da família.

"Alguns dormem aqui no quintal, deitados no chão, porque não tenho espaço suficiente", lamenta.

As noites são tranquilas se não chover. O pior é a época das chuvas.

"Não há maneira, vamos sofrer. Teremos de nos aglomerar lá dentro, onde não pingar. Aqueles bambus que viu estendidos são para remodelar a casa, pensando nessa época de chuva, mas estamos sem dinheiro para conseguir o material completo."

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Conflito em Cabo Delgado provocou grave crise humanitáriaFoto: DW

Ajuda humanitária

As autoridades governamentais, em parceria com algumas agências humanitárias, estão a prestar apoio aos deslocados e às respetivas famílias acolhedoras, através da entrega de "vouchers" que lhes dão acesso a produtos alimentares em estabelecimentos comerciais.

Mas a família de Maria Josefina diz que ainda não teve essa sorte.

"A vida é assim mesmo... Ter uma refeição uma vez por dia. Às vezes, não comemos. Estamos acostumados assim", desabafa Vicente Virgílio, um dos netos da idosa.

No meio das necessidades extremas, os deslocados foram criando alternativas de sobrevivência. Alguns criaram negócios de produção e venda de cadeiras e mesas feitas à base de bambu.

"Há outros que, quando amanhece, vão procurar biscates que lhe possibilitem obter dinheiro. Outros ficam a fazer cadeiras. Ficamos assim mesmo", diz Virgílio.

O maior desejo da família é conseguir apoio das autoridades, um "voucher" para suprir as suas carências básicas. Até à vinda de melhores dias.

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