"Moçambique não deve ter expetativas exacerbadas"
16 de abril de 2022O Governo moçambicano anunciou, no início de março, que a exploração de gás natural na bacia do Rovuma, no norte do país, vai arrancar dentro de seis meses. A produção será feita através da plataforma flutuante Coral Sul, estacionada ao largo de Cabo Delgado.
A plataforma de extração e liquefação de gás Coral Sul é a primeira em águas profundas e o primeiro projeto do género desenvolvido em África.
Em entrevista à DW África, a ativista e investigadora moçambicana Fátima Mimbire sublinha que é importante que o Moçambique não tenha "expetativas exacerbadas" quanto ao impacto do projeto no crescimento económico do país, a curto prazo.
Mas afirma que, se a Europa está interessada em comprar o gás moçambicano, a oportunidade deve ser maximizada - a preços justos.
DW África: Após anúncio do Governo moçambicano sobre o arranque, em outubro, da exploração de gás na bacia do Rovuma, pode esperar-se um retorno para o país dessa produção e um contributo no crescimento da economia nacional?
Fátima Mimbire: Nos primeiros anos, em particular nos primeiros oito anos, o Estado recebe as chamadas receitas mínimas e que estão ligadas à produção. Nesta fase, há custos que devem ser recuperados. É preciso lembrar que o modelo de estrutura de custos que Moçambique permite que seja recuperado em particular para este projeto é muito alto. Primeiro, as empresas deverão recuperar os custos investidos nesta fase de exploração e pesquisa, nesta fase de desenvolvimento. As expetativas do Governo, e da própria empresa, e também de algumas agências internacionais indicam que ao longo de toda a vida do projeto poderão ser geradas, no máximo, 15 mil milhões de dólares. Mas alguns estudos independentes dizem que as receitas podem sequer chegar a 10 mil milhões de dólares. Eu creio que este é um primeiro projeto, vai gerar algumas receitas. Mas é importante que não tenhamos expectativas exacerbadas. Porém, é um bom ponto de partida para um país que precisa de receitas para financiar a sua despesa pública. O que vier, se for bem gerido, deverá ajudar.
DW África: Apesar de alguns ganhos registados, a segurança na província de Cabo Delgado, como sabemos, não está totalmente assegurada. Poderá continuar a representar, a curto prazo, um entrave a estes investimentos?
FM: A natureza dos ataques terroristas em Cabo Delgado estão mais centrados em terra, e para estes projetos [em terra] continuará a ser um problema. Neste momento, portanto, não há uma grande preocupação para o projeto [sobre o qual estamos a falar,] em particular. Mas, obviamente, todas as medidas precisam ser tomadas para evitar-se [ataques]. Como sabemos, o crime organizado e o terrorismo não se mantêm estáticos. É preciso assegurar que aquela área também esteja protegida. Quero acreditar que, se a empresa avançou até este nível, isso deve-se ao fato de ter tomado todas as medidas necessárias.
DW África: Segundo o Governo, está prevista a formação de moçambicanos a borda da plataforma flutuante Coral Sul. Acredita na inclusão de mais moçambicanos nos projetos?
FM: Ao longo dos anos, o Governo tem usado o discurso de criação de empregos para que as empresas possam ter aquilo que chamaríamos de "licença social para operar". Mas está é, na verdade, um promessa vã porque trata-se de um indústria especializada. A mão de obra que terá de entrar nesta indústria de forma direta é especializada. É preciso ter alguma experiência técnica de trabalho e as formações que têm sido implementadas em Moçambique têm tido este problema de não permitir, ou criar espaços, para que as pessoas sejam expostas ao trabalho numa plataforma, ou nos laboratórios. Um exemplo é o curso de Engenharia de Petróleos na Universidade Eduardo Mondlane. É um curso teórico, nem sequer aulas de laboratório existem. Nós falhamos, ao longo dos anos, do ponto de vista estratégico, para a formação de moçambicanos. Moçambique negligenciou a formação massiva e diversificada. Esse é o segundo elemento que me coloca dúvidas. Faz-me crer que é um discurso político para apaziguar, digamos assim. Além disso, devemos lembrar que, em 2014, o Governo moçambicano concedeu à [empresa] Total isenções, ou facilidades, para a contratação de mão de obra estrangeira qualificada. Significa que, se essas empresas tiveram que escolher entre [empregar] moçambicanos ou estrangeiros, considerando a sua capacidade técnica, optarão pelos estrangeiros. Até porque o Estado não colocou limites ao decreto aprovado em 2014. Permitiu que se possa importar mão de obra além dos limites que a lei, ou o regulamento de contratação de estrangeiros, impõe.
DW África: No contexto da invasão da Ucrânia pela Rússia, a Europa procura diversificar as fontes de energia face à dependência do gás russo. É uma janela de oportunidade que Moçambique têm condições para agarrar?
FM: Não sei efetivamente neste momento se [Moçambique] vai responder de forma direta às necessidades da Europa. Tudo dependerá da natureza dos acordos de venda que já foram firmados e que determinaram o avanço até esta fase do projeto. O projeto, de fato, não teria avançado até os níveis atuais se não houvessem acordos de venda, que geralmente são de longo prazo. Porém, não posso assegurar que uma parte da produção possa efetivamente ir para a Europa. Mas, a longo prazo, sem dúvida pode significar uma oportunidade. Além disso, poderá ser bom para Moçambique. Há ceticismo e pressão para não se avançar com o gás. [Mas] se a Europa está interessada em comprar o gás de Moçambique, e esse é descrito como de altíssima qualidade, então penso que é uma oportunidade. Se há este espaço, deve ser maximizada - sem dúvida, a preços justos.