Guiné-Bissau: Contra a partidarização da administração
17 de janeiro de 2024A partidarização da administração pública da Guiné-Bissau é uma realidade há vários anos, de resto reconhecida pelos próprios dirigentes partidários. Ainda assim, durante as campanhas eleitorais, os responsáveis prometem abertamente emprego e funções para os seus apoiantes.
A lei do concurso público não é respeitada. Cada vez que o país muda de Governo, em qualquer que sejam as circunstâncias, os novos donos do poder procedem a uma série de mudanças em quase todos os departamentos governamentais, com exonerações dos anteriores e nomeações de novos diretores ou presidentes de conselhos de administração de empresas públicas.
A situação preocupa vários cidadãos ouvidos pela DW África em Bissau. "Na Guiné-Bissau, a política adotada é que, quando mudamos de regime, muda tudo para começarmos de novo", disse um estudante.
"Num ano letivo, já assistimos à mudança de três diretores ", confirmou outro estudante. "[Com a mudança do governo], há mudanças em todos os departamentos, quer na educação, na comunicação social e demais. Isto causa problema para todos [os funcionários]", disse à DW África um funcionário público.
Fuga de cérebros
Por causa das nomeações partidárias, os jovens formados encontram nos partidos políticos o caminho para serem nomeados para funções governativas. O que significa que são demitidos cada vez que muda o Governo.
O professor universitário William Gomes Ferreira diz que a situação tem consequências nefastas para o país. "Isto já está a provocar a fuga de cérebros da Guiné-Bissau. Eu conheço muitos bons quadros que estão no estrangeiro e não aceitam, de forma alguma, voltar para a Guiné-Bissau, porque aqui não há concurso [público] ou concurso sério", explicou, acrescentando que pessoas qualificadas "desrespeitadas e assistem as pessoas que não têm mínimas condições para exercer as funções".
Ferreira afirma que o estabelecimento o sistema em vigor mostra que o país não tem um Estado: "Temos fações políticas que procuram açambarcar os recursos públicos para satisfazer os seus interesses."
Na semana passada, estudantes da Escola de Formação de Professores 17 de Fevereiro, em Bissau, manifestaram-se contra a mudança do diretor do estabelecimento do ensino, por estar a ter um bom desempenho na instituição.
Reforma precisa-se
Na mesma semana, um grupo de professores da universidade pública guineense Amílcar Cabral (UAC) protestou, em carta aberta, conta a nomeação de um reitor, que segundo afirmam, não possui o grau e o nível académicos para dirigir essa instituição do ensino superior.
"É normal, do ponto de vista administrativo, a movimentação do pessoal", disse à DW África o sociólogo Infali Donque. Porém, a mudança tem de obedecer a critérios claros de competência, antiguidade e mérito. "Mas [agora] esta prática é tão recorrente e são os próprios políticos que estão a promover esta situação", diz.
Para o professor universitário William Gomes Ferreira, apenas uma reforma profunda da administração pública poderia resolver o problema. "Mas, para isso, teríamos de, também, reformar a mente das pessoas na sociedade guineense. Enquanto não conseguirmos promover essas reformas estruturais, vamos continuar com esta 'doença' na sociedade guineense", defende.