Bissau: Proposta de revisão constitucional baliza poderes
14 de novembro de 2021A proposta da comissão da Assembleia Nacional Popular para a revisão da Constituição da Guiné-Bissau, a ser debatida durante a atual sessão do hemiciclo, reforça o semipresidencialismo, de pendor parlamentar, e baliza os poderes dos órgãos de soberania.
O documento, a que a Lusa teve acesso, está dividido em quatro partes, nomeadamente princípios fundamentais, direitos e deveres fundamentais, organização económica e organização do poder político, e tem 317 artigos, contra os 133 da atual Constituição.
Na quarta parte, relativa à organização do poder político, no capítulo relativo ao Presidente da República, a revisão mantém que o chefe de Estado não se pode candidatar a um terceiro mandato, mas acrescenta só pode presidir ao Conselho de Ministros quando convidado pelo primeiro-ministro.
A Constituição atual autoriza o chefe de Estado a presidir ao Conselho de Ministros sempre que queira.
A revisão propõe que o Presidente da República só possa dissolver o Parlamento devido a "bloqueio que impeça o funcionamento de duas sessões ordinárias consecutivas” ou "quatro sessões intercaladas na mesma legislatura”, a falta de receção injustificada do Programa do Governo, Plano Nacional de Desenvolvimento e Orçamento Geral do Estado.
Demissão do Governo
O chefe de Estado pode também dissolver o Parlamento se houver uma "rutura nos grupos parlamentares que sustentam o Governo”, por "rejeição de duas moções de confiança apresentadas pelo Governo” e "aprovação de quatro moções de censura contra o Governo”.
Atualmente, a Constituição autoriza o Presidente da República a dissolver o Parlamento em "caso de grave crise política”, sem mais especificações.
Para a demissão do Governo, a proposta de revisão passa a enumerar também as razões pelas quais o executivo pode ser demitido.
Além da rejeição de moções de confiança ou aprovação de moções de censura ou falta de apresentação justificada dos documentos de governação, o Governo pode ser demitido se não vir aprovado pela segunda vez o seu programa ou pela "contração de empréstimos não autorizados pela Assembleia Nacional Popular”.
A atual Constituição prevê que o Governo seja demitido na sequência da falta de aprovação de uma moção de confiança ou a aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta e também por "grave crise política”, que desaparece na atual proposta de revisão.
Deputados podem perder mandato
A proposta da comissão da Assembleia Nacional Popular para a revisão da Constituição da Guiné-Bissau prevê ainda que um deputado possa perder o mandato caso perca o vínculo com o partido pelo qual foi apresentado a sufrágio.
No artigo 189 da proposta de revisão da Constituição, relativo à perda e renúncia de mandato, os deputados passam a perder o mandato caso se "inscrevam num partido diferente daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio” ou se perderem o "vínculo com o partido pelo qual foram apresentados a sufrágio” e se forem condenados a penas de prisão superiores a três anos.
A perda de mandato pode ocorrer ainda caso os deputados venham a ser afetados por alguma incapacidade ou incompatibilidade prevista na lei, mas também se não tomarem assento na Assembleia Nacional Popular ou excederem o número de faltas estabelecidas no regimento.
A Constituição em vigor no país define apenas que o deputado que falte gravemente aos seus deveres pode ser destituído pela Assembleia Nacional Popular, sem especificar.
A disciplina de voto parlamentar tem sido posta em causa em diversas ocasiões no parlamento guineense, levando a momentos de instabilidade política.
Nova forma de escolher PGR
No artigo 259 da proposta, sobre o Procuradoria-Geral da República, a proposta determina que o Procurador-geral da República é nomeado pelo chefe de Estado de entre o nome de dois procuradores-gerais adjuntos propostos pelo Governo, por sua vez escolhidos entre três nomes eleitos pelo Conselho Superior de Magistratura do Ministério Público.
A proposta prevê também que o único mandato do Procurador-geral da República é de cinco anos.
Na Constituição em vigor no país, o Procurador-Geral da República é nomeado pelo Presidente da República, depois de ouvido o Governo.
A revisão propõe também a criação do Tribunal Constitucional, que será composto por sete juízes, sendo cinco designados pela Assembleia Nacional Popular e um por cada magistratura.
O mandato tem a duração de sete anos e também não é renovável e o presidente do tribunal é eleito pelos seus pares.
A Guiné-Bissau não tem um Tribunal Constitucional, sendo aquelas funções assumidas pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Provedor de Justiça
Em relação ao Provedor de Justiça, a proposta da revisão refere que é um órgão do Estado, terá como missão a defesa dos direitos dos cidadãos, assegurar a justiça e a legalidade da atuação dos poderes políticos e será designado pela Assembleia Nacional Popular por maioria de dois terços dos deputados em funções para um mandato de quatro anos, renovável uma só vez.
O Provedor da Justiça será membro por inerência do Conselho de Estado e do Fórum de Diálogo Institucional.
A proposta inclui igualmente os princípios gerais para a realização de um referendo, cuja iniciativa pode partir de cidadãos, da Assembleia Nacional Popular ou do Governo, cabendo ao Parlamento receber as propostas e decidir ou não sobre a sua realização.
A proposta de realização de um referendo não inclui "matérias constantes dos limites materiais de revisão constitucional", pode ler-se no documento.
A atual Constituição da Guiné-Bissau prevê que a iniciativa de revisão cabe apenas à Assembleia Nacional Popular e que as propostas de revisão têm de ser aprovadas por maioria de dois terços dos deputados que constituem a Assembleia Nacional Popular, ou seja, 68 dos 102 deputados.
Dos 102 deputados que constituem o parlamento guineense, 47 são do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), 27 do Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), 21 do Partido de Renovação Social (PRS), cinco da Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), 1 do Partido da Nova Democracia e 1 da União para a Mudança.