Processo eleitoral na Guiné-Bissau depende dos políticos
12 de outubro de 2019A Guiné-Bissau vive já um longo período de transição. O novo cenário político, com a realização das eleições legislativas e presidenciais, pode abrir caminho à estabilidade há muito desejada pelos guineenses e exigida pelos parceiros internacionais. Foi eleito um Governo, mas que ainda não conseguiu aprovar o seu programa, apresentado aos guineenses durante a campanha eleitoral.
A questão que se coloca é se as recentes eleições legislativas, que deram vitória do PAIGC, e a realização das presidenciais previstas para 24 de novembro marcarão um momento de viragem do ciclo político na Guiné-Bissau.
Abordado pela DW África para avaliar o atual cenário eleitoral, o economista guineense Carlos Lopes, também alto representante da União Africana para as negociações com a União Europeia (UE), optou por proferir uma mensagem de prudência.
"Penso que o processo eleitoral tem alguns elementos que podem permitir estabilidade, mas isso depende muito do comportamento dos atores políticos," frisou.
Estado vulnerável ao narcotráfico
O economista admite que o país ainda é considerado um Estado frágil, sobretudo pela sua vulnerabilidade ao narcotráfico - que encontra espaço devido à incapacidade das autoridades para lidar com o fenómeno.
Carlos Lopes explicou que a existência do narcotráfico é uma manifestação da ausência de capacidade governativa. "Há necessidade de criar condições para que o Estado exista de uma forma mais consentânea com aquilo que se espera do que é um processo de desenvolvimento".
Para ele, há uma "pauperização do Estado" devido aos vários conflitos políticos que só contribuem para agravar a situação do país.
"Permite-se essa promiscuidade entre o que é público e o que é privado e, portanto, muito ilícito - nomeadamente que se manifesta através do narcotráfico", destacou o economista guineense.
Por outro lado, em reação a uma pergunta da agência Lusa, Carlos Lopes não acredita que possa haver uma nova escalada de conflito, apesar de algum receio manifestado por algumas figuras africanas. Um deles é o ex-Presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, que afirmou que não haverá estabilidade depois das eleições de 24 de novembro pela eventual recusa de José Mário Vaz em deixar o cargo de Presidente da República.
"O que talvez se possa antecipar é que a Guiné-Bissau precisa de uma estabilidade que é difícil conseguir através das instituições que tem neste momento," avaliou.
Transformação estrutural necessária
Falando dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), onde ainda há desafios assinaláveis a cumprir, Carlos Lopes disse aos jornalistas que todos precisam urgentemente de transformação estrutural.
Apontou o exemplo da Guiné-Bissau, ainda fortemente dependente da castanha do caju, o que faz com que praticamente este seja a única fonte de receita própria do Governo - para além do exagerado recurso às tarifas alfandegárias.
Carlos Lopes também felicitou a escolha de três mulheres de origem guineense que vão ocupar lugares de deputadas na Assembleia da República Portuguesa. Isto, na semana em que estão em curso contatos para a formação do novo Governo português a ser liderado pelo primeiro-ministro socialista, António Costa.
Em declarações à DW África, Lopes fala em concreto do ato eleitoral que culminou no passado dia 06.10 com a eleição de Joacine Katar Moreira (LIVRE), Romualda Fernandes, pelo Partido Socialista, e Beatriz Gomes Dias, pelo Bloco de Esquerda.
"Acho que há uma manifestação da qualidade que existe entre os guineenses, neste caso manifestado pela diáspora. Fico muito feliz por Portugal, porque normalmente o que acontece é que a diáspora dos vários países pode ser ou não aproveitada pelos países de acolhimento", considerou o economista.
Carlos Lopes falava à margem de uma conferência, na Universidade Europeia, sobre a agenda para o futuro do continente africano. O economista guineense disse que África tem "desafios gigantescos" para dar resposta a três grandes tendências mundiais nos domínios tecnológico, climático e demográfico.
Lopes frisou que, se não se fizer uma agenda que responda a estas três mega tendências, "Africa não vai conseguir responder aos anseios da maioria. As janelas de oportunidades são escassas e África não pode fazer uma transformação sem sair da dependência das matérias-primas".