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Guiné-Bissau: Os contrassensos de José Mário Vaz

28 de dezembro de 2018

Intenção de Presidente guineense, José Mário Vaz, de rever a Constituição é completamente incoerente com o perfil que tem demonstrado, considera Dautarim da Costa. Analista acha que se trata de uma manobra eleitoralista.

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José Mário Vaz, Presidente da Guiné-BissauFoto: Getty Images/AFP/S. Kambou

Esta semana, o Presidente da Guiné-Bissau manifestou interesse na realização de um referendo para a revisão da Constituição.

Para José Mário Vaz, o problema do país não reside nas pessoas, mas sim nas instituições e no sistema do Governo. O estadista considera que uma revisão faria com que o chefe do Estado a ser eleito em 2019 "tenha as coisas clarificadas". Sobre esse posicionamento, que surge perto do fim do mandato do Presidente, conversamos com o analista guineense Dautarim da Costa.

DW África: A intenção de José Mário Vaz surge depois de ter ultrapassado, durante quatro anos do seu mandato, as suas competências enquanto Presidente da República e, por consequência, ter esvaziado os poderes do primeiro-ministro. Não vem tarde esta intenção?

Dautarim da Costa (DC): Não só vem tarde, como é completamente despropositada e incoerente. Estamos a falar de um Presidente da República que conseguiu a proeza de fundar um regime presidencialista dentro de um sistema semi-presidencialista. A deturpação do sistema político foi de tal forma que subverteu todas as lógicas que definiram as regras do jogo político na Guiné-Bissau. E dizer isso agora mostra um desconhecimento profundo sobre a importância do funcionamento das instituições e sobre as perceções dos próprios cidadãos guineenses. E é completamente incoerente com o perfil que tem demonstrado ao longo do seu mandato.

Kombibild José Mário Vaz Domingos Simoes Pereira
José Mário Vaz, conhecido como "Jomav" (esq.), esteve em "guerra" com o ex-primeiro-ministro Domingos Simões Pereira (dir.)Foto: Seyllou/AFP/Getty Images/CPLP

DW África: José Mário Vaz entende que uma revisão da Constituição possibilitaria que o chefe de Estado a ser eleito tenha as coisas clarificadas. Estaria ele a assumir que não conhecia os limites do seu poder?

DC: O Presidente da República sempre mostrou um grande desconhecimento do espírito da nossa lei fundamental e também não conseguiu encarnar o seu papel de pacificador da sociedade e de defensor da própria Constituição. Falar agora de referendo mostra-nos duas coisas: o desconhecimento sobre como as coisas devem ser tratadas e um desconhecimento também do timing em que essas coisas devem ser tratadas. O problema do nosso sistema político não está propriamente na Constituição, mas sim na falta de capacidade da generalidade dos nossos atores políticos em colocar o país como prioridade das suas ações. E isto leva sempre a que haja espaço para manobras "reinterpretativas" da Constituição. Mas a nossa Constituição é muito clara no que diz respeito aos papéis e deveres do Presidente da República e aos papéis que cabem ao Governo. Só alguém imbuído de má-fé é que reinterpreta o que está lá disposto.

Guiné-Bissau: Os contrasensos de José Mário Vaz

DW África: O que terá originado a manifestação dessa vontade, será que José Mário Vaz percebeu muito tarde que só a Constituição lhe legitima os poderes que tanto quer? Terá sido pressionado ou não passa de mais um ato sagaz da sua parte?

DC: O Presidente sempre foi bastante intencional nas medidas que foi tomando. Paralelamente ao desconhecimento da lei, havia uma clara intenção desta Presidência da República de deturpar o funcionamento convencionado do sistema político. Para mim, o que está em causa é uma tentativa de higienização da própria imagem política do Presidente. Ou seja, está a entrar no final do seu mandato e vai entrar, provavelmente, numa fase em que quererá apresentar a recandidatura à Presidência da República e agora esforça-se por higienizar a sua imagem, todos esses solavancos que temos assistido durante o período em que tem sido Presidente.

DW África: Está a dizer então que é a continuidade da sua postura ardilosa?

DC: Para mim, é óbvio.

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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