Bissau: Mudanças socioambientais provocadas pela escravatura
17 de abril de 2022"Estamos a trabalhar num projeto que se chama Ecologias da Liberdade e que se dedica a investigar as materialidades da escravidão do período colonial e depois desde a escravidão até ao período atual, passando por tudo o que foi o trabalho forçado, o colonialismo, a emancipação", afirmou o arqueólogo e professor da Durham University Rui Coelho, que lidera o projeto.
Segundo o também investigador da Universidade de Lisboa, o projeto não termina em Cacheu e terá um "segundo foco sobre o Alentejo".
"Nós queremos comparar o que aconteceu aqui na Guiné-Bissau, em Cacheu,com o que aconteceu no Alentejo durante o mesmo período", disse.
Entre Alentejo e Bissau
A Alentejo, explicou o professor, é uma região "ligada à escravização de pessoas que eram trazidas desta e de outras regiões para trabalhar nos campos e nos arrozais e o arroz e sua produção é uma das ideias que temos para trabalhar aqui, tanto em Cacheu como no Alentejo".
"O rio Cacheu e o vale do Sado tiveram produções de arroz muito importantes que alguns investigadores julgam que podem estar associadas a uma introdução de arroz africano que foi domesticado aqui nesta região, independentemente da domesticação do arroz na Ásia", afirmou.
Durante cerca de um mês, o grupo de investigadores trabalhou em Cacheu, principalmente junto ao Memorial da Escravatura, naquela cidade guineense, onde realizou uma série de escavações.
Questionado sobre o tipo de trabalho feito no local, Rui Coelho explicou que primeiro foi feito um trabalho de geoarqueologia nas margens do rio Cacheu, de onde foram tiradas colunas de sedimento.
Mudanças climáticas
O sedimento será analisado em laboratórios para retirar dados ambientais que "podem explicar mudanças climáticas no rio, os comportamentos das pessoas, hábitos agrícolas e que de forma essas mudanças estão associadas aos grandes processos históricos, nomeadamente a chegada dos europeus e o início da colonização e a generalização da escravatura", disse.
Após aquele trabalho, a equipa iniciou as escavações no Memorial da Escravatura, com o parceiro local que é a Ação para o Desenvolvimento, que está instalado naquilo que foi a Casa Gouveia no período colonial tardio e que, segundo o investigador, era um "grande empório comercial" e um "instrumento de colonização, dominação das populações da Guiné-Bissau".
"Era uma casa comercial, como uma arquitetura semelhante à do século XIX, e entenderam ser um bom local para escavar para entender quais as transformações sociais e urbanas em Cacheu desde o início do período colonial, no final do século XVI", disse.
Rui Coelho afirmou que o que foi encontrado nas escavações foi "muito bom", porque mostrou resultados que deram para entender as origens da casa e as origens de Cacheu.
História económica mais recente
"Ao lado da casa fizemos uma outra sondagem onde encontramos três momentos muito interessantes que representam a história económica mais recente da Guiné-Bissau", disse, explicando que foram encontrados vestígios de anil associado à tinturaria de tecidos, de produção de borracha natural e de óleo de palma.
"Estamos a falar de três tipos de produção, de três épocas diferentes, mas que representam essa exploração económica e social dos agentes coloniais do povo do que é hoje a Guiné-Bissau. O anil, a borracha natural e o óleo de palma", afirmou.
O projeto Ecologias da Liberdade é financiado por várias instituições, nomeadamente a National Geographic Society, Rust Family Foundation, a Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do centro de arqueologia da Universidade de Lisboa.
O projeto é também apoiado pela Durham University e pela organização não-governamental guineense Ação para o Desenvolvimento, instituição promotora do Memorial da Escravatura, que foi feito no âmbito de uma parceria com o centro de arqueologia e centro de história da Universidade de Lisboa.