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Aristides Gomes condena "atos de violência" do PR guineense

Lusa
18 de fevereiro de 2023

Ex-primeiro-ministro da Guiné-Bissau acusa Presidente Umaro Sissoco Embaló de tentar manter-se no poder "de forma arcaica" e "muito pouco inteligente", através da violência, e alerta para perigo de revolta popular.

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Foto: Braima Darame/DW

O ex-chefe do Governo guineense Aristides Gomes considera que "há um desrespeito pelos direitos humanos [na Guiné-Bissau] e isso é evidente, está patente em toda a atuação do regime e particularmente do próprio Presidente", Umaro Sissoco Embaló, que "fez vários discursos públicos de ameaças a jornalistas, aos deputados, a toda a gente".

Em entrevista à agência Lusa em Lisboa, dias depois de ter conseguido sair da Guiné-Bissau, o ex-governante lamenta que o chefe de Estado "confunda deliberadamente" críticas com insultos e que a resposta seja "atos de violência, de espancamento, através de raptos", considerando que se trata de "uma forma arcaica de tentar manter-se no poder, de intimidar toda a gente, de desestabilizar a oposição".

"Os principais responsáveis da oposição não devem ficar no país, se ficam no país, devem ficar calados. Portanto, quando se entra não se pode sair e quando se sai não se pode entrar. É uma lógica muito antiga, muito pouco inteligente, aliás, de conservação do poder e que nós temos só a lamentar, porque são técnicas mal copiadas" de outros países africanos, diz.

Aristides Gomes conseguiu sair recentemente da Guiné-Bissau depois de as autoridades guineenses o terem tentado deter durante o congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), em novembro do ano passado, por suspeitas do Ministério Público guineense de alegado desvio de verbas do Fundo Florestal e de irregularidades na transferência de 50 mil euros para a sua família em França. 

Descrevendo esta ação como "tentativa de rapto", o ex-primeiro-ministro, que já tinha estado refugiado nas instalações das Nações Unidas em 2020, onde permaneceu mais de um ano, considera ser alvo de "perseguição política" no seu país e refuta as suspeitas, lembrando que ainda não há acusação formal nem sequer foi ouvido pelas autoridades.

"É uma posição política, é uma técnica antiga de desestabilização da oposição e das principais personalidades da oposição", diz.

West African leaders plan peacekeeping force to counter 'coup belt' reputation
Umaro Sissoco EmbalóFoto: Afolabi Sotunde/REUTERS

"País empobrece cada vez mais"

A Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) tem feito várias denúncias sobre violações de direitos humanos na Guiné-Bissau e enviou há um ano uma carta ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, à presidente da Comissão da União Europeia, Ursula von der Leyen, e ao presidente da União Africana, Macky Sall, na qual considera que os alicerces do Estado de Direito democrático na Guiné-Bissau nunca estiveram tão ameaçados.

Na carta, a organização acusa as autoridades políticas de, com o apoio das forças de segurança e do poder judicial, recorrerem sistematicamente a "métodos ilegais, tais como violência policial, intimidações, detenções arbitrárias, raptos e espancamento de jornalistas, ativistas cívicos e opositores políticos".

Segundo o ex-primeiro-ministro, estas técnicas de manter o poder "podem levar a situações muito desagradáveis", porque "o país está a empobrecer cada vez mais".

"Apesar do desencadear de toda uma publicidade em como as coisas estão a andar bem, que tem havido obras [...] No fundo as populações estão a sofrer com uma inflação galopante, com falta de perspetivas para setores fundamentais da nossa sociedade, tais como a saúde, o sistema de ensino, enfim, há um processo de regressão global no país", considera.

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Pobreza e revolta

Questionado sobre a possibilidade de uma revolta popular, Aristides Gomes alerta que "é possível" porque "o pano de fundo continua a ser um empobrecimento da população e a falta de perspetivas", sobretudo dos jovens. "Num país como a Guiné-Bissau, uma característica comum a grande parte dos países africanos, há uma franja da população que cresce, a população de jovens, que vai sendo educada, mas que em contrapartida continua sem emprego porque a economia confunde-se com o setor informal", refere.

De acordo com o ex-governante, "essa população vai-se concentrar nas zonas periféricas das grandes cidades, vai-se empobrecendo e vai-se acumulando o foco de uma certa desestabilização social e, se os regimes, ao invés de adotarem medidas inteligentes para tentarem acompanhar esse processo da sociedade, se viram para a repressão, tarde ou cedo há explosões".

A situação de pobreza leva ainda, alerta, a extremismos como o fundamentalismo islâmico e problemas religiosos, o que gera "todo esse 'cocktail' explosivo" que se verifica já em alguns países africanos, sobretudo no Sahel.

Guinea Bissau Zentralmoschee in Bissau
Aristides Gomes lembra que Umaro Sissoco Embaló defende que muçulmanos "deveriam dirigir a Guiné-Bissau"Foto: DW/I. Danso

Tráfico de droga agrava situação

O ex-primeiro-ministro defende que o tráfico de droga na Guiné-Bissau enfraquece o Estado, já frágil, e potencia o risco de fundamentalismo islâmico no país. O ex-governante reconhece que "a questão do tráfico de droga não é exclusiva da Guiné-Bissau, é o resultado da fragilidade dos países" e que o país lusófono "faz parte desse conjunto".

"É verdade houve muita publicidade da Guiné-Bissau", sobretudo depois da guerra civil de 1998 neste país, que "aparece como um dos Estados ainda mais frágeis".

"O tráfico de droga acaba por fragilizar ainda mais esses Estados. [...] porque penetra no tecido fundamental desses Estados, deformando completamente" as suas estruturas, diz. Os traficantes, considera o ex-primeiro-ministro, escolhem estes países porque os custos são muito reduzidos.

Considerando que o tráfico de droga alimenta conflitos, sobretudo no Sahel, refere o risco de o fundamentalismo islâmico se alastrar aos países do litoral da região da África Ocidental como a Guiné-Bissau.

Além do tráfico de droga, o ex-governante cita também a questão política em que há forças "que têm mais escrúpulos e forças políticas que têm menos escrúpulos na utilização do fenómeno da religião para capturar indevidamente o eleitorado".

Neste sentido, deu o exemplo do Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, ao defender que os muçulmanos, por representarem 65% da população, "deveriam dirigir a Guiné-Bissau".

Reflexões Africanas: As ameaças à democracia da Guiné-Bissau

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