Guiné-Bissau: Aumenta tensão e incerteza na Presidência
29 de fevereiro de 2020A Guiné-Bissau está mais uma vez mergulhada num clima de incerteza política, com militares na rua.
O presidente do Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, tomou posse na noite desta sexta-feira (28.02) como Presidente interino, numa sessão no Parlamento. A posse foi conferida pela deputada Dan Ialá, primeira secretária da mesa do parlamento, invocando o n.º 2 do artigo 71 da Constituição guineense, que prevê que, havendo vacatura na chefia do Estado, o cargo é ocupado pelo presidente da Assembleia Nacional Popular, a segunda figura do Estado.
Esta cerimónia, em que estiveram presentes 52 dos 102 deputados, acontece depois de Umaro Sissoco Embaló, dado como vencedor das presidenciais pela CNE, e empossado na quinta-feira como Presidente da Guiné-Bissau, ter demitido Aristides Gomes do cargo de primeiro-ministro e nomeado Nuno Nabian para o substituir, num decreto presidencial divulgado à imprensa.
Nuno Nabian é o líder da Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), que fazia parte da coligação do Governo, mas que apoiou Sissoco Embaló na segunda volta das presidenciais. Nabian é também primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional Popular e foi nessa qualidade que indigitou simbolicamente Sissoco Embaló como Presidente na quinta-feira, numa cerimónia realizada num hotel da capital guineense, qualificada como "golpe de Estado" pelo Governo guineense.
"Atuação grave e inapropriada"
Umaro Sissoco Embaló justificou a demissão de Aristides Gomes com a sua "atuação grave e inapropriada"por convocar o corpo diplomático presente no país, induzindo-o a não comparecer na tomada de posse e a "apelar à guerra e sublevação em caso da investidura do chefe de Estado, que considera um golpe de Estado".
Depois desta tomada de posse simbólica, o Presidente cessante, José Mário Vaz, transferiu os poderes para Sissoco Embaló e abandonou o Palácio Presidencial.
Novo vice-presidente do Parlamento
Na mesma sessão parlamentar, o ministro da Presidência do Conselho de Ministros e Assuntos Parlamentares do Governo de Aristides Gomes, Armando Mango assumiu o cargo de primeiro vice-presidente do Parlamento, antes de o líder do Parlamento ser nomeado Presidente da República interino.
Após estas decisões, registaram-se movimentações militares, nomeadamente na rádio e na televisão públicas, de onde os funcionários foram retirados e cujas emissões foram suspensas.
Verifica-se também a presença de militares em algumas instituições do Estado como o Palácio do Governo, o Supremo Tribunal de Justiça e alguns ministérios.
DSP reage
Aristides Gomes denunciou um golpe de Estado em curso, enquanto Domingos Simões Pereira, adversário de Sissoco Embalo nas presidenciais, considerou que a situação "não dignifica o processo democrático" e que o povo guineense não merecia mais esta crise política.
Em declarações à agência Lusa por telefone, o candidato e líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) reagia à mais recente crise política na Guiné-Bissau.
"Lamento tudo o que está a acontecer e espero que sejamos capazes de encontrar as soluções que se impõem" porque a atual situação "não dignifica o processo democrático" na Guiné-Bissau, disse.
Simões Pereira congratula-se com ANP
"Saúdo os membros do Parlamento reunidos hoje em plenária e que, com a maioria necessária, preencheram o vazio deixado após o abandono do cargo do Presidente cessante", José Mário Vaz.
O líder do PAIGC lamentou "os vários atropelos" que envolveram a tomada de posse de Embaló, que "apesar de simbólica, já o levou a emitir dois decretos".
Afirmando que, "como cidadão, como candidato presidencial e como presidente do maior partido político guineense" está "muito triste" com a situação, considerou que "a nação e o povo guineense não mereciam mais esta exposição".
Questionado pela Lusa sobre quando pretende regressar ao país, Simões Pereira referiu que pode fazê-lo "a qualquer momento", mas ressalvou que essa decisão está a ser concertada com as estruturas do seu partido "para ver se é mais útil em Bissau ou fora do país".
Apelos à calma
Face a esta situação e às movimentações militares que se seguiram, o Governo português recomendou aos seus cidadãos para restringirem "a circulação ao estritamente necessário".
O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, reiterou a necessidade de evitar "qualquer confrontação e quaisquer atos de violência" na Guiné-Bissau, defendendo que "todas as questões podem ser resolvidas por meios pacíficos e muito poucas questões são resolvidas por meios violentos".
Também a União Europeia exortou todos os atores políticos na Guiné-Bissau a respeitar a Constituição e os procedimentos legais pós-eleitorais, sublinhando que a atual situação ameaça agravar uma crise que já há muito afeta o país.
Apesar destas movimentações, a situação na capital guineense na sexta-feira à noite era calma, vendo-se alguns militares junto a algumas instituições do Estado como o Palácio do Governo, o Supremo Tribunal de Justiça ou os os ministérios das Finanças, da Justiça e Pescas, estes três na mesma avenida no centro de Bissau.