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Governo moçambicano fica a dever dinheiro à Vale

Madalena Sampaio22 de agosto de 2014

A recusa do Executivo de devolver nos prazos previstos à Vale Moçambique o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) pode conduzir a sérias dificuldades para a mineradora, já abalada pela queda do preço do carvão.

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Foto: DW

A dívida do Estado moçambicano à mineradora Vale referente ao reembolso do IVA ultrapassa os três mil milhões de meticais (cerca de setenta e cinco milhões e meio de euros) propostos pelo Governo no Orçamento Retificativo.

O atraso na devolução do IVA surpreendeu a multinacional, que recentemente anunciou prejuízos operacionais de cerca de 77,3 milhões de euros no segundo trimestre do ano, embora tenha aumentado o volume de vendas para 833 mil toneladas de carvão. Entretanto, a empresa já pediu explicações à Direcção Geral de Impostos.

Analistas advertem que a recusa do Governo de Maputo de devolver o IVA nos prazos previstos pode conduzir a sérias dificuldades para aquela empresa, já abalada pela queda do preço do carvão.

Porträt - Ragendra de Sousa
"A riqueza não é produzida pela burocracia", lembra o economista Ragendra de SousaFoto: DW/R. da Silva

E uma vez que o Estado é parceiro da Vale, uma falência da mineradora afetaria também muito negativamente as suas contas, como explicou o economista Ragendra de Sousa em entrevista à DW África.

DW África: O que significa para as empresas esta dívida do IVA? É uma carga imposta pelo Governo?

Ragendra de Sousa (RS): As duas partes têm razão. O Parlamento força o Governo a explicar porque é que não devolveu o IVA na altura apropriada. O IVA é uma receita transitória do Estado. As empresas pagam e o Estado tem que repor. Mas também sabemos que por dificuldades de tesouraria do Orçamento muitas vezes o Estado recorre a receitas que tem para cumprir com as obrigações salariais e outras de custo corrente.

De facto, o IVA é uma carga adicional para as empresas. É pago ao Estado na óptica da sua devolução. O Estado não repondo imediatamente cria problemas de tesouraria às empresas, que muitas vezes recorrem à banca local para satisfazer necessidades de tesouraria. Qualquer crédito bancário provoca uma emissão secundária de moeda e tem toda uma carga de juros.

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Acho que é preciso que o Governo volte ao Parlamento e volte a debater o assunto. Porque tendo o Estado já utilizado os fundos, não há outra maneira possível de repor, via política fiscal, que não seja aumentar os impostos. Essa não é uma via aconselhável porque os nossos impostos já são altos.

Então, a proposta do Governo de usar a mais-valia para repor o IVA, portanto reduzir a dívida interna, parece-me uma proposta sensata porque, de facto, a reposição do IVA também é um acto pontual e mais-valia poderia perfeitamente ser feita dessa maneira.

Portanto, para a economia nacional a situação é preocupante porque apanha o tecido empresarial, que já está carregado de problemas fiscais e organizacionais.

DW África: Esta medida do Governo pode ter, então, um efeito final desastroso, ou seja, pode obrigar algumas empresas – que são quem produz a riqueza do país – a fechar portas?

RS: Absolutamente. É nisto que estou perplexo com o posicionamento do Parlamento. A produção de riqueza não é feita pela burocracia, é feita pelo tecido empresarial. Estou um bocado perplexo por ver esta medida que privilegia, de certa forma, o investimento produtivo, mas ao mesmo tempo esquece que mata o produtor desse investimento. É algo muito preocupante.

DW África: E o que acha da posição da Vale Moçambique em relação ao Governo, nesta fase em que anuncia perdas avultadas – prejuízos operacionais e - também quer partilha de riscos nos investimentos?

RS: A Vale, quero crer, continua a conversar com o Governo e com outras instituições, não só para ultrapassar este problema pontual do IVA, mas também como se sentar com todos os intervenientes no cluster à volta da indústria mineira para todos eles absorverem esta baixa de preços. Eu tive a oportunidade de estar com o diretor-geral da Vale e a grande preocupação dele é exatamente esta.

Bahnhof Moatize - Linha de Sena
Estação ferroviária de Moatize, na província de TeteFoto: DW/J. Beck

O recorrer ao Fisco é só uma das medidas. Uma outra possível é negociar com a empresa da logística, os Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM). Para além disso, há todas as empresas que fornecem serviços à Vale, que neste momento estão a praticar preços em que à partida está incluída uma certa ineficiência. Dito desta maneira, a operação Vale, Rio Tinto e as demais na área carbonífera é de facto uma solução global. Todos os intervenientes têm que se aperceber que o mercado mundial tem flutuações. Com base nisso, temos que procurar a mais alta eficiência.

DW África: Numa altura em que a indústria do carvão atravessa uma fase difícil, como fica a relação entre a Vale e o Executivo?

RS: O Governo é parceiro da Vale, tem acções na Vale. Estamos entre o ajustamento e a falência. Qual dos dois é que iremos escolher? Se a Vale não conseguir chegar a acordo com o seu próprio parceiro, que é o Governo e os demais intervenientes, a solução é falência técnica.

Kohlemine Minas Moatize
Segundo a Vale, os custos aumentaram porque a zona de extração de carvão, em Moatize, está afastada dos locais de exportaçãoFoto: DW/J. Beck

E a falência técnica conduz à paralisação. Imagine o efeito dominó que uma decisão destas pode provocar. Os hotéis deixam de ter clientes, a indústria da restauração deixa de ter clientes. Vai ser fechar em cadeia, o que me parece que não está no interesse de todo o conjunto que está à volta da indústria mineira.

DW África: Daí acreditar que o Governo vai voltar ao Parlamento para discutir o assunto?

RS: Olhando para a situação como economista, eu não vejo outra solução do Governo a não ser voltar ao Parlamento. Pode não ser todo o Parlamento, mas a Comissão Permanente, e pedir uma medida excepcional. É pontual. Mas para isso o próprio Estado tem de se organizar melhor para que no futuro o IVA seja devolvido ao setor produtivo em tempo oportuno. Porque acumular a dívida à espera de uma mais-valia não é forma de gerir um Orçamento de Estado.

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