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Fome e fuga no Corno de África

24 de agosto de 2011

120 mil pessoas que fogem da fome no leste do continente estão no campo de Dolo Ado. Após a fuga da seca e de milícias islâmicas, um destino incerto espera as famílias, relata o enviado especial Ludger Schadomsky.

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Sherif Dahir, de 18 anos, fugiu das milícias shebab para a Etiópia
Sherif Dahir, de 18 anos, fugiu das milícias shebab para a EtiópiaFoto: DW/Schadomsky

Os olhos do rapaz de 18 anos de idade estão avermelhados. Ele fala rapidamente, repetidas vezes olha para as pessoas que o rodeiam, procurando ajuda. Sherif Dahir chegou ao campo de refugiados de Dolo Ado (na fronteira entre Etiópia, Somália e Quênia) pela manhã, vindo da capital somali Mogadíscio.

O jovem viajou durante uma semana – em vans (pequenos autocarros) ou a pé. “Tudo está destruído em Mogadíscio”, relata, exausto. “Não existe governo para proteger as pessoas”, continua. Sherif Dahir procura proteção da fome que, atualmente, faz parte do cotidiano dos somalis – assim como os fuzis AK 47.

Quem acaba de chegar recebe tratamento médico; O menino da imagem está com 40,3º de febre após dias de caminhada
Quem acaba de chegar recebe tratamento médico; O menino da imagem está com 40,3º de febre após dias de caminhadaFoto: DW/Schadomsky

Dahir também quer se proteger das temidas milícias islâmicas Al Shebab – ligadas à rede terrorista internacional Al Qaeda. “Eles vêm durante a noite e tiram jovens como eu de suas casas para forçá-los a lutar”, conta o rapaz. Os novos combatentes seriam usados contra o governo somali e as tropas de paz da União Africana. E quem se recusa a lutar é morto, diz Sherif Dahir.

Ao lado do rapaz, na fila de espera diante do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) no campo de Dolo Ado, Kusow Mayo Hassen também espera com a família. Após a morte da mulher, Kusow, a filha Halima e a neta de dois anos caminharam por dez dias por linhas traçadas pelas Al Shebab, até chegar a Dolo Ado. “Eu ainda tinha um camelo, os outros morreram por causa da seca”, diz Kusow, de 67 anos. “Por isso, vendi meu último animal – para podermos comprar comida para nós e para a criança”, explica.

Após um mês no campo de acolhimento, a família Kusow será transferida para Haloweyn – uma cidade de tendas a 30 quilômetros de Dolo Ado e feita para abrigar 35 mil famílias. O chefe da família está ansioso e temeroso diante de uma perspectiva de passar os próximos meses – ou anos – em Haloweyn, diante da situação sem saída do país de origem.

Metade das crianças com menos de cinco anos de idade sofre de subnutrição

Metade das crianças em Dolo Ado com menos de 5 anos de idade sofre subnutrição
Metade das crianças em Dolo Ado com menos de 5 anos de idade sofre subnutriçãoFoto: DW/Schadomsky

Enquanto os Kusows são conduzidos, com cerca de 30 outras famílias, aos autocarros, os médicos em Dolo Ado continuam se dedicando aos recém-chegados. Bebês de colo são pesados e medidos em baldes azuis de plástico. “A cada dia, cerca de 1.200 novos fugitivos chegam até nós. Examinamos cerca de 600 deles”, relata Phil James, da organização humanitária Ação contra a Fome. Segundo o funcionário, entre 30 e 60% das crianças sofrem de subnutrição aguda.

Franceses e holandeses são responsáveis pelo posto médico de Dolo Ado. Uma logística alemã também trabalha ali, onde são tratados os piores casos. As crianças recebem soluções líquidas com nutrientes, além de antibióticos contra infecções. Os primeiros casos de sarampo começaram a aparecer no campo, uma epidemia de cólera é um perigo constante. Os funcionários das organizações de auxílio também esperam as unidades de purificação de água da organização alemã de auxílio técnico – unidades que o governo etíope só libera aos poucos da alfândega. Enquanto isso, a ração diária de água precisa ser reduzida de 10 para três litros.

Novo lar na Etiópia

Durante a tarde, após uma viagem cansativa, a família Kusow chega do campo de acolhimento para começar uma nova vida em Haloweyn. As tendas brancas com o emblema azul das Nações Unidas se estendem até o horizonte. Existem até algumas pequenas lojas que vendem bolachas e algumas cebolas. Um chip de telemóvel custa cerca de 2 euros – quem tem dinheiro para comprá-la, tenta contatar a família na Somália.

A família Kusow em Dolo Ado (Etiópia)
A família Kusow em Dolo Ado (Etiópia)Foto: DW/Schadomsky

A família Kusow é recebida por Anna Menuto, do ACNUR. “Por enquanto, vocês têm direito a duas rações diárias de comida quente”, diz a espanhola. “Também recebem recipientes de plástico, um balde, sabão, colchões e utensílios de cozinha, além de um cobertor para a noite”, enumera. A menina de dois anos da família Kusow é pesada e medida – aparentemente, passou bem pelas penúrias do caminho de Dolo Ado até Haloweyn.

Antes do pôr do sol, enfermeiras etíopes colocam os equipamentos médicos em carros com tração nas quatro rodas e voltam para o campo principal. Amanhã, às 6 horas da manhã, estarão em Haloweyn novamente, quando o calor ainda estiver suportável. E voltarão a examinar 600 crianças. Algumas delas terão de ser transferidas para a estação médica.

Perto dali, Mayo Hassen Kusow está agachado na areia escaldante. Tem os cupons de ração alimentar nas mãos. „Minha neta está bem“, agradece. Kusow gosta do novo campo. „Receberemos comida suficiente e tratamento médico“, acredita. “Sim, estamos bem aqui”, diz.

Autor: Ludger Schadomsky (enviado especial a Dolo Ado / Haloweyn)
Edição: Renate Krieger / António Rocha