Faraós, águias e leões: África no Mundial
5 de dezembro de 2017Em 2010, na África do Sul, o Gana esteve perto de realizar um feito inédito entre as seleções africanas: chegar às meias-finais de um Mundial de futebol. Já no prolongamento, com um empate a uma bola, Stephen Appiah, da formação ganesa, chutou em direção à baliza do Uruguai. O tiro foi travado na linha de golo. Dominic Adiyah ainda tentou de cabeça e o guarda-redes não estava lá – mas Luís Suarez sim. O atacante uruguaio não hesitou: levantou os braços e defendeu com as mãos. Foi expulso da partida. Na grande penalidade, Asamoah Gyan, do Gana, acertou no poste. O jogo foi a penáltis e o Uruguai acabou por vencer e passar à fase seguinte.
Tal como o Gana, também os Camarões chegaram aos quartos-de-final da competição, em 1990. O Senegal, em 2002. Mas ambos viram o sonho cair por terra, após o prolongamento. Agora, é tempo de tentar novamente. Em 2018, na Rússia, Egito, Marrocos, Nigéria, Senegal e Tunísia tentam carimbar o passaporte para as semi-finais do Mundial, pela primeira vez na história do continente.
Nigéria: As "Super Águias"
Para a Nigéria, esta é a sexta participação num Mundial: desde 1994, as "Super Águias" africanas falharam apenas uma edição. Com um grupo difícil para a qualificação, o capitão John Obi Mikel e o lateral direito Victor Moses impuseram-se frente à Zâmbia, Camarões e Argélia. No entanto, a Nigéria – que ocupa o 50º lugar no ranking da FIFA – não teve sorte no sorteio e chega ao Mundial no grupo da Argentina, Islândia e Croácia. As "Super Águias" já enfrentaram a Argentina quatro vezes num Mundial – e perderam quatro vezes.
O selecionador da Nigéria, o alemão Gernot Rohr, estabeleceu um objetivo mínimo para a competição: "boa performance e boa atitude". Mas depois de uma vitória por 4 a 2 num amigável frente à Argentina, em novembro, os nigerianos sonham mais alto.
E para Volker Finke, antigo treinador da Bundesliga e ex-selecionador dos Camarões, o grupo não é uma missão impossível: "A Nigéria está numa posição em que é capaz de fazer frente à Croácia e à Islândia, num dia bom, e com hipóteses de vencer. Ou seja, não está tudo perdido."
Marrocos: Os "Leões do Atlas"
Marrocos participa pela quinta vez num Mundial - mas pela primeira vez desde 1998. Na fase de qualificação, os "Leões do Atlas", comandados pelo capitão Mehdi Benatia, na defesa, não sofreram um único golo frente à Costa do Marfim, Gabão e Mali. Na origem deste feito está o selecionador francês Hervé Renard, que já conquistou a Taça das Nações Africanas duas vezes: em 2012, com a Zâmbia, e em 2015, com a Costa do Marfim.
Em 2018, na Rússia, Marrocos encontrará Espanha, o campeão europeu Portugal e o Irão. A seleção marroquina é "compacta e bem organizada" diz Volke Finke. Como selecionador dos Camarões, já enfrentou Hervé Renard três vezes e lança o alerta: "Marrocos pode incomodar".
Se não ficarem para trás, os marroquinos, diz Finke, "podem chatear os dois grandes do grupo, Espanha e Portugal. Mas acho que não conseguirão fazer mais do que isso, porque, no fim, é a qualidade que decide. Não importa quão bem organizada é a defesa."
Egito: Os "Faraós"
O caso muda de figura quando se fala do recordista do campeonato africano, o Egito. Está pela terceira vez no Mundial – pela primeira desde 1990. Na qualificação, os Faraós enfrentaram o Uganda, o Gana e a República do Congo – e marcaram oito golos em seis jogos.
O selecionador argentino Héctor Cúper foi criticado pelo estilo defensivo. Mas o sucesso fala por si: com Cúper, o Egito venceu 20 em 30 jogos. Agora, tem pela frente a Rússia, a Arábia Saudita e o Uruguai. A estrela da equipa é Mohamed Salah, do Liverpool. Boa técnica e confiança jogam a favor dos "Faraós", diz Volker Finke. O destaque vai também para um bom ponto de partida: "O Egito tem a sorte de ter a melhor posição na partida entre as equipas africanas. Tem as tarefas mais fáceis de resolver."
Tunísia: As "Águias de Cartago"
Por sua vez, a Tunísia nunca sobreviveu à fase de grupos, apesar das cinco presenças no Mundial de Futebol. As "Águias de Cartago" qualificaram-se sem derrotas para o Mundial frente à República Democrática do Congo, a Líbia e a Guiné-Conacri. Mas o próximo grupo não é tarefa fácil: Bélgica, Inglaterra e Panamá.
Para o selecionador, Nabil Maaloul, "a chave para chegar aos "play-offs" é o primeiro jogo contra Inglaterra". Nas casas de apostas, a Tunísia está muito longe de ser a favorita: a hipótese de ganhar o Mundial é de uma em 500 ou uma em 751. Ainda assim, a seleção continua a tentar encontrar reforços: quer convencer Rani Khedira, irmão do internacional alemão Sami Khedira, a jogar pela Tunísia e não pela Alemanha."A Tunísia tem momentos difíceis pela frente contra a Inglaterra e a Bélgica no grupo. Mas é uma seleção bem organizada", diz Volker Finke.
Senegal: Os "Leões de Teranga"
Entre as seleções africanas, o Senegal ocupa o melhor lugar no ranking da FIFA: é o número 23. E nas casas de apostas, as chances de se tornarem os campeões são uma em 126 e uma em 151. O Senegal está pela segunda vez no Mundial de Futebol.
Em 2002, no Japão e na Coreia do Sul, Aliou Cissé comandou a equipa como capitão. Hoje, é o selecionador. Na qualificação, deixou para trás a África do Sul, o Burkina Faso e Cabo Verde. E tem um grupo relativamente equilibrado no arranque da competição: Polónia, Colômbia e Japão. "O Senegal faz muita coisa bem. Tem sempre boas equipas, jovens, tal como o Gana, que se sai bem nos torneios de juniores. Mas o Senegal sai-se melhor que as outras seleções da África Central e Ocidental", considera Volker Finke. Com a ajuda da estrela Sadio Mané, do Liverpool, é bem possível que os "Leões de Teranga" consigam chegar aos quartos-de-final.
Os já "clássicos" problemas
Volker Finke, que levou os Camarões ao Mundial em 2014, não acredita que nenhuma das formações africanas consiga ir muito longe na Rússia, em 2018.
As dificuldades passam pela organização, infraestruturas e falta de transparência. E entre o norte de África e o resto do continente há uma grande diferença: "O Gana, os Camarões e a Costa do Marfim têm, sem dúvida, melhores jogadores que os norte-africanos. Mas os norte-africanos são organizados e estruturados. Por exemplo, no trabalho da federação e na organização dos campos de treino".
O também ex-treinador do Freiburg sublinha que depois da qualificação para uma grande competição, começa "a luta pelo orçamento".
Finke conta histórias de portas de hotéis encerradas por falta de pagamento, autocarros que não chegam por falta de dinheiro para o combustível e voos adiados porque ainda se negoceiam os salários dos jogadores. Nos Camarões, afirma, era "50% diplomata, 50% treinador".