Famílias do 27 de maio exigem respostas do Governo angolano
26 de maio de 2023Rui Coelho foi uma das vítimas dos trágicos acontecimentos do 27 de maio de 1977. O seu corpo estaria entre as ossadas que o Governo angolano entregou às famílias, mas testes forenses indicaram mais tarde que o corpo pertencia afinal a outra pessoa.
A irmã, Conceição Coelho, ofereceu-se para fazer um exame de ADN no Instituto de Medicina Legal, em Lisboa, e diz-se dececionada com o resultado.
"Não estaria à espera de ser o que foi. Não há uma única daquelas vítimas que os seus familiares fizeram os testes de ADN que estivesse representada nos vestígios ósseos entregues em Luanda a representantes do Instituto de Medicina Legal e da Polícia Judiciária [portuguesa]", afirma à DW.
Ossadas não correspondentes
O caso de Rui Coelho é semelhante ao de outros 38 falecidos cujos restos mortais foram entregues às famílias e não correspondiam à identidade das vítimas.
Conceição Coelho afirma que o irmão, então assessor do Gabinete de Lopo do Nascimento – na altura primeiro-ministro no Governo de Agostinho Neto –, foi executado sem direito a julgamento, alegadamente por envolvimento nos acontecimentos do 27 de maio de 1977.
Conceição garante que vai continuar em busca da verdade sobre o paradeiro do irmão, que naquela data se encontrava na Argélia. Viria a ser preso depois, em junho daquele ano, e colocado na Cadeia de São Paulo.
"[Admite-se que] até nem saibam onde estão as coisas, mas relativamente ao meu irmão sabem de certeza. Até porque deram duas certidões de óbito. Isto, o que é que deixa pressupor, que as coisas não foram feitas com o intuito de efetivamente restituir os restos mortais aos familiares, porque se, de facto, estivessem interessados, teriam feito as coisas como deveria ser", considera a irmã de Rui Coelho.
Silêncio das autoridades de Luanda
Gilberto Buanga é filho de António Lourenço Galiano da Silva, outra das vítimas do 27 de maio. O jovem lamenta o erro na identificação das ossadas e critica o silêncio das autoridades dizendo que os familiares não sabem "verdadeiramente o que é que se passou".
"Mais do que um pedido de desculpas", apela Gilberto, "o que nós queremos é que essa situação da localização e realização de testes de ADN e devolução das ossadas, para que possamos fazer um enterro condigno aos nossos familiares, seja resolvido de uma vez por todas, de boa fé".
46 anos da chacina
Este sábado (27.05), faz 46 anos sobre os acontecimentos do 27 de maio de 1977. A data é recordada em luto como forma de protesto, segundo Jorge Fernandes, um dos sobreviventes e membro de direção da Associação 27 de Maio.
A associação diz ter ficado "outra vez horrorizada com a desfaçatez e a pouca-vergonha" do Governo angolano, em particular da Comissão de Homenagem às Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), dirigida pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos.
A associação exige "fundamentalmente que os procedimentos forenses sejam corretos". "Não se pode permitir, tal como fez a CIVICOP desde o início, que a recolha dos vestígios e das ossadas sejam feitas como nós assistimos".
Esta associação endereçou recentemente outra Carta Aberta ao Presidente João Lourenço em que insiste na criação de uma Comissão de Verdade "que investigue o que aconteceu" de facto.