Sahel: Falta coordenação na luta contra o terrorismo
29 de novembro de 2019Uma carta do Burkina Faso chocou a região do Sahel em meados de novembro: o Governo de Ouagadougou apresentou oficialmente uma queixa contra soldados do vizinho Mali por estes terem invadido o seu território sem autorização.
Segundo o chefe de gabinete do exército do Burkina Faso, aviões estrangeiros - provavelmente de combate franceses Mirage 2000 - haviam sobrevoado repetidamente o espaço aéreo do país sem autorização.
Nem mesmo os especialistas sabem exatamente o que aconteceu. Mas uma coisa é certa: o protesto de Ouagadougou, Burkina Faso, é dirigido à força de intervenção francesa "Barkhane", que combate os terroristas islamistas na região com 4.500 soldados – e que até agora não reagiu às acusações.
A ação é considerada uma clara afronta à força de intervenção conjunta G5 Sahel, composta pelo Mali, Níger, Mauritânia, Chade e o próprio Burkina Faso, que foi criada em 2018 para combater o terrorismo e o crime organizado na região.
Falta de coordenação
"A coordenação militar e a cooperação entre os cinco Estados está regulamentada", ou seja, os soldados têm o direito de perseguir terroristas ao longo das fronteiras, podendo penetrar até 50 quilómetros no território de outro Estado-Membro, explica o analista político maliano Siaka Coulibaly.
Foi exatamente o que fez o exército do Mali. No entanto, nota Coulibaly, este tipo de ação requer a aprovação do Estado em questão. "O direito à perseguição está sujeito à notificação prévia pela autoridade burkinabe e, neste caso, não foi respeitado", afirma o analista, acrescentando que "é incompreensível que os militares malianos tenham identificado um grupo de terroristas e os tenham perseguido em território burkinabe sem informar previamente o Burkina Faso".
Moussa Sidibé, outro analista maliano, expressa compreensão pelos protestos de Ouagadougou, pois considera que as tropas de intervenção, independentemente do país, devem respeitar a soberania do Estado onde conduzem as suas operações.
"Não acho que seja ambicioso trabalhar sozinho na luta contra o terrorismo. Penso que é uma questão de cooperação militar informar uma autoridade ou pedir permissão para sobrevoar o território sob a sua soberania", afirma.
Grupos armados ganham espaço
Também Thomas Schiller, da Fundação Konrad Adenauer, na capital do Mali, Bamako, fala de problemas de coordenação no seio do G5, e que podem, na sua opinião, ser explicados por esta ser uma "organização relativamente jovem".
"Estamos também a falar de um projecto que está "em curso". E é por isso que há problemas de aprovação e coordenação”, justifica o analista, que defende o fortalecimento da cooperação entre os Estados.
"Seria realmente muito importante que os Estados do G5 Sahel fossem fortalecidos em suas funções centrais, seja na administração territorial, na justiça ou na segurança. Os Estados não estão realmente presentes nestas regiões. Não é apenas o aspeto da segurança, mas há também os aspetos da administração, da educação e da saúde, e isso, naturalmente, abre espaço para todos os tipos de grupos armados", diz.
De facto, a crise de segurança na vasta e desértica região a sul do Saara agravou-se nos últimos meses. Os grupos terroristas islamistas estão a expandir o seu raio de ação por toda a região.
Como explica Thomas Schiller, na lista das principais zonas de crise não está apenas o norte do Mali, "mas também o centro do país, a zona fronteiriça entre o Burkina Faso, o Mali e o Níger, e existem também os problemas em torno do Lago Chade – onde temos dois países do G5 que são diretamente afetados: Chade e Níger".
Ajuda da comunidade internacional
Para a comunidade internacional, sobretudo França e Alemanha, a estabilização da região do Sahel é uma prioridade absoluta, sublinha Schiller. Afinal, a segurança na zona do Sahel faz parte da segurança na Europa. "Pode-se dizer que, com todas as iniciativas que foram lançadas para apoiar os Estados do Sahel, tanto a França como a Alemanha, estão a demonstrar um grande empenho".
É por isso que todos os esforços para estabilizar a região - através da ONU, da União Europeia e da força de intervenção do G5 Sahel - devem ser melhor coordenados.
"É importante que a cooperação seja melhorada permanentemente, ou seja, de forma sustentável. E acredito que os países estão no bom caminho, mesmo que nem tudo seja perfeito", diz Schiller.
Entretanto, esta quinta-feira (28.11), no palácio do Eliseu, o Presidente francês Emmanuel Macron anunciou estar disposto a rever as "modalidades de intervenção" da França no Sahel e pediu aos aliados "um maior envolvimento" contra "o terrorismo" na região.
"O contexto que estamos em vias de presenciar no Sahel conduz-nos hoje a encarar todas as opções estratégicas", declarou o Presidente francês ao exigir "um maior envolvimento" dos seus aliados.
"Afirmo-o muito claramente, não basta o nosso compromisso com a segurança coletiva, temos de demonstrá-lo. Uma verdadeira aliança são atos, não palavras", referiu Macron em conferência de imprensa conjunta com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, após o final da reunião.
Ataques sucessivos
No Sahel, vários grupos armados estão a avançar. Há grupos a jurar fidelidade ao Estado Islâmico ou à Al-Qaeda. No Mali e nos países vizinhos, Burkina Faso e Níger, os ataques são perpetrados repetidamente.
Já no Níger, Chade, Nigéria e Camarões, a preocupação prende-se com o grupo terrorista Boko Haram, que está bastante ativo. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações, mais de 2,5 milhões de pessoas estão em fuga na região do Lago Chade.
No início de novembro, 54 pessoas foram mortas no Mali, na fronteira com o Níger. Pouco depois, 38 pessoas morreram no Burkina Faso, num ataque a uma caravana.
O impacto sobre as 20 milhões de pessoas que vivem nas zonas de conflito é dramático. Só no Burkina Faso, de acordo com o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas, quase meio milhão de pessoas deixaram as suas casas.
No Mali, cerca de 1.100 soldados do exército alemão participam numa missão de estabilização da ONU e na formação de soldados.
A MINUSMA, a missão de paz da ONU no Mali, tem uma força de operacional de cerca de 15.000 soldados e agentes da polícia. Além disso, cerca de 150 soldados do exército alemão estão envolvidos na Missão de Formação Europeia no Mali.