Eurodeputados dizem-se atentos à justiça em Angola
5 de junho de 2015Um grupo de ativistas dos direitos humanos que promoveu uma campanha de recolha de assinaturas para a libertação de José Marcos Mavungo, detido em Cabinda desde 14 de março, entregou esta sexta-feira (05.06) um abaixo-assinado na Presidência da República, na Procuradoria-Geral da República e no ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola. Um documento semelhante já foi entregue na semana passada às autoridades de Cabinda.
O porta-voz do grupo de ativistas, Filomeno Vieira Lopes, disse à DW África que o ativista José Marcos Mavungo continua detido, apesar de apresentar vários problemas de saúde, nomeadamente de fígado e coração.
“Já está a fazer 90 dias que Mavungo está em cativeiro, e está a haver uma protelação do seu julgamento. É preciso que o julgamento se faça de maneira célere, porque o tribunal já tem desde o dia 26 de maio todo o processo organizado pela Procuradoria, e portanto não percebemos porque é que até agora nem sequer os advogados foram notificados”, diz Filomeno Vieira Lopes.
Quando questionado sobre se as autoridades que receberam o abaixo-assinado irão dar uma resposta imediata à solicitação feita, ou seja, a libertação do ativista de direitos humanos Marcos Mavungo, o porta-voz do grupo de ativistas refere que “é nosso dever como cidadãos conscientes, e como cidadãos que pretendem que a democracia se instaure de facto aqui no nosso país, lutar contra as arbitrariedades. Os poderes públicos devem assumir as suas responsabilidades constitucionais e agir em conformidade, mas devemos alertar os poderes públicos neste sentido. Em relação àquilo que nos diz respeito nós devemos agir, e é isso que estamos a fazer.”
Filomeno Vieira Lopes não tem dúvidas de que Marcos Mavungo é um prisioneiro de consciência.
“Lembramos as palavras do Procurador quando disse: “não temos nenhum motivo para prender o Marcos Mavungo do ponto de vista legal, mas estamos numa situação complexa do ponto de vista político em Cabinda e por isso ordena-se a sua prisão”. Portanto estamos a ter aqui implicações políticas que desconhecemos.”
Vieira Lopes acrescenta ainda que “Marcos Mavungo liderou um processo para uma manifestação de um ponto de vista extremamente legal, de acordo com a Constituição, informou as autoridades, como é de lei, e as autoridades tentaram, sem motivo aparente, travar esta manifestação. Ele disse que iria fazê-la, e por causa disso prenderam-no quando estava a sair da igreja, e agora é acusado de crime de rebelião. Tudo isto para nós não faz sentido. É um cidadão, quer tomar posições e em democracia a liberdade existe, portanto é um preso de consciência, claramente.”
Parlamentares europeus dirigem uma carta a José Eduardo dos Santos
Entretanto, um grupo de parlamentares europeus prepara-se para também dirigir uma carta ao Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.
A eurodeputada Ana Gomes em entrevista à DW África, referiu que estão muito preocupados com a situação dos ativistas de Cabinda, e com o estado de saúde de Marcos Mavungo. “Infelizmente sabemos, até pelo caso do Rafael Marques, como é que a justiça angolana neste momento não está a funcionar. É sem dúvida uma situação que nós vamos observar de perto, e por isso queremos chamar a atenção das autoridades angolanas, e fazê-las saber que estamos bem atentos.”
Há dois outros temas sobre a situação dos direitos humanos em Angola que estão na agenda da eurodeputada Ana Gomes: os casos referentes ao jornalista e ativista Rafael Marques, e a procura de dados sobre o que terá acontecido no Huambo a 16 de abril, conhecido pelo caso Kalupeteka.
“Temos que demonstrar a nossa grande preocupação face à situação em Angola, não só em relação ao caso de Rafael Marques, mas também em relação ao massacre que alegadamente ocorreu no Huambo, e que obviamente são de tal gravidade as acusações que exigem uma investigação internacional. São alegações dirigidas contra a polícia angolana, que é dada como responsável pelo massacre. Há imagens muito, muito perturbadoras desse massacre, e há também alegações muito graves que indicam que neste momento sobreviventes que estarão em tratamento em unidades hospitais estão a ser alvo de assassinatos seletivos para que não restem testemunhas”, afirma a eurodeputada.
Ana Gomes sublinha ainda que “é do interesse das próprias autoridades angolanas apurar o que é que se passou e identificar responsáveis, e dado que neste momento há toda uma controvérsia sobre o que se passou efetivamente, é fundamental que não restem dúvidas, e para isso serve uma investigação independente internacional.”
“As coisas mudaram, e é bom que as autoridades angolanas percebam isso”
Quando questionada acerca do efeito que a pressão internacional, nomeadamente dos eurodeputados, poderá ter no Governo de Angola, Ana Gomes responde que espera que surta algum efeito “porque Angola tem compromissos e obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, e também de luta contra a corrupção e contra o branqueamento de capitais.”
“Angola está vinculada à União Europeia através do acordo de Cotonou. É um país ACP, que tem cláusulas específicas sobre direitos humanos e sobre boa governação, e portanto nós estamos a fazer aquilo que nos compete fazer como deputados europeus, e que naturalmente não deixaremos de fazer junto das próprias instâncias europeias toda a pressão”, refere a eurodeputada.
“Por exemplo, eu noto que pela primeira vez houve observação da União Europeia, através da delegação em Luanda, do julgamento do Rafael Marques. Isso foi o resultado de eu ter escrito à senhora Mogherini a pedir essa observação. No passado eu teria feito o mesmo, mas no tempo da comissão Barroso fechavam-se os olhos, e a delegação em Luanda não recebia instruções adequadas para fazer o que devia fazer. Mas agora as coisas mudaram, e portanto é bom que as autoridades angolanas percebam isso”, sublinha Ana Gomes.