Estão as tropas da SADC paralisadas em Cabo Delgado?
2 de setembro de 2021Depois da tomada de Palma e da paralisação do bilionário projeto da Total, o cenário mudou em Cabo Delgado. Militares moçambicanos e ruandeses montaram uma força conjunta e iniciaram uma agressiva ofensiva contra o grupo rebelde Ansar al-Sunna - que aterroriza a província no norte de Moçambique desde 2017.
Os moçambicanos veem a progressão das tropas no terreno e a libertação de vilas e distritos com algum entusiasmo, mas muitos questionam por que as tropas da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) parecem estar num segundo plano no teatro de operações.
No artigo "As perspectivas de uma missão bem-sucedida da SADC em Moçambique", publicado pela ONG especializada em gestão de conflitos ACCORD, o director da African Defence Review argumenta que já se sabia que a Missão da SADC em Moçambique (SAMIM, na sigla em inglês) não estava a planear entrar imediatamente em ação.
Darren Olivier lembra que o relatório da equipa técnica da SADC - que foi enviado ao Governo moçambicano após a tomada do controlo de Palma pelos terroristas, nos finais de março - propôs um trabalho faseado.
Primeiramente, o pessoal seria destacado para apoiar os serviços de informação das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) a fim de obter conhecimento profundo do inimigo. Depois, haveria o destacamento imediato de Forças Especiais e dos meios navais para conduzir operações específicas e eliminar a criminalidade marítima na região. Mais tarde, ocorreriam operações de pacificação e, por fim, a retirada.
Por outro lado, segundo Olivier, as forças ruandesas iniciaram operações ao lado das FADM quase imediatamente. As incursões tiveram lugar "sem muito tempo despendido em orientação, recolha de informações ou preparação no terreno. Isto é, no mínimo, uma abordagem arriscada e não é normalmente feita em missões como esta", salienta o consultor para investigações sobre conflitos.
Abordagem de manual
Para o diretor da African Defence Review, a abordagem das tropas da SADC cumpre a teoria que guia uma força multinacional empregada a longo prazo, embora a força da SADC tenha previsão de ficar inicialmente poucos meses no terreno. A questão é que o tempo de chegada das tropas até ao início das operações de combate é longo, podendo levar meses e gerar angústia a todos os envolvidos - inclusive aos deslocados e ao Estado moçambicano privado da receita do gás. "A situação faz com que a SADC pareça ineficaz", acrescenta.
Darren Olivier vê a abordagem do Ruanda como arriscada, mas considera uma prova de que uma força pequena, bem treinada, altamente móvel e com objetivos claros pode ter bom resultado. "Em pouco mais de um mês, libertaram grandes extensões de território e retomaram cidades-chave, incluindo Mocímboa da Praia. A sua intervenção até agora tem sido um sucesso", avalia.
O analista considera que o apoio dos militares ruandeses às FADM pode servir como uma lição para a SADC repensar como sua força é estruturada e como as intervenções podem ser planeadas para alcançar um "sucesso precoce". Mesmo assim, Olivier vê a incursão militar dos países vizinhos a Moçambique como "mais adequada a uma campanha de contrainsurgência a longo prazo, especialmente com os seus meios navais e aéreos para interditar as linhas de abastecimento".
Cautela com sucessos iniciais
Segundo o artigo escrito por Olivier para a ACCORD, parece provável que Moçambique tenha solicitado uma ação rápida ao Ruanda a fim de mudar a situação do conflito e "limpar a zona em torno do projeto de gás da Total, de modo a eliminar a necessidade das forças da SADC serem destacadas para essas mesmas zonas". No entanto, o analista lembra que as motivações para esta diferença de comportamento entre as tropas ruandesas e as da SADC são ainda pouco claras.
Olivier salienta na sua análise, entretanto, que não é possível presumir que os sucessos iniciais signifiquem que a insurreição está perto de ser derrotada.
O analista lembra que uma campanha decontrainsurgência exige meses, talvez anos, de atividade. "Anos de estabilização, construção e realização de operações não só para deslocar os insurgentes, mas também para lhes negar o acesso à população e interditar as suas cadeias de abastecimento", acrescenta.