Escritores em Angola "pouco solidários" com colega detido

Num dos debates que marcaram a última semana da primeira edição do FOLIO (Festival Literário Internacional de Óbidos, Portugal), o jornalista angolano Rafael Marques evocou várias vezes o caso dos 15 jovens detidos por estarem a ler um livro considerado subversivo pelo regime de José Eduardo dos Santos.

"Eu mencionei aqui, neste debate, o caso do Domingos da Cruz, que também é um escritor", contou Marques em entrevista à DW África.

"Não há uma palavra de solidariedade dos escritores angolanos para com o Domingos da Cruz", o autor do livro "Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura: Filosofia da libertação para Angola".

A literatura angolana, segundo Marques, ainda não se desenvolve num contexto de liberdade de criação, de expressão e de pensamento. Nos 40 anos de Angola independente, o partido no poder nunca mudou. José Eduardo dos Santos é Presidente há 36 anos.

"Hoje, em Angola, temos um pensamento formatado. Tirando poucos escritores, que estão na diáspora, o escritor angolano em Luanda, se intervém, é a favor do Presidente e dos bens materiais. Tirando um ou outro pronunciamento do Pepetela, vemos que os escritores não se pronunciam sobre a realidade de modo a que possam transmitir uma mensagem de intervenção e interesse sobre o que realmente se está a passar no país."

40 anos de independência: uma avaliação

O escritor cabo-verdiano José Luiz Tavares faz uma avaliação muito diferente dos últimos 40 anos no seu país. No plano cultural, Cabo Verde conquistou essa liberdade mesmo antes da independência. Ainda assim, Tavares não se acomoda com o facto de o país ter atingido um nível de desenvolvimento médio:

"Neste momento, temos uma alta percentagem de jovens com formação superior que está no desemprego. Isto é uma situação preocupante em Cabo Verde, a par da violência nas nossas cidades. São fenómenos que têm de ser encarados de uma forma bastante séria e encontrar as soluções mais adequadas."

Para Ungulani Ba Ka Khosa, feito este percurso de quatro décadas, Moçambique e os moçambicanos ainda precisam de se conhecer a si próprios. O escritor tem anseios que gostaria de ver cumpridos, sem utopia. Um deles é a divulgação das obras literárias.

"Já há uma produção local considerável, mas essa produção não se consegue espelhar ao nível de todo o território", afirma o escritor. "O segundo aspeto é a própria internacionalização da literatura nacional. A grande luta é no sentido de, tal e qual como no Brasil e de certo modo em Portugal, haver organismos que fazem chegar a sua própria cultura a outros horizontes. Esse é o grande 'handicap' que se nota nesses 40 anos."

Passaram pelo Festival Internacional Literário de Óbidos, que decorreu de 15 a 25 de outubro, outros escritores do espaço lusófono, como o moçambicano Mia Couto, com o seu novo livro "Mulheres de Cinza", ou a são-tomense Olinda Beja, que tem espalhado pela Europa fora "À Sombra do Oká". Maria João Martins apresentou "Luanda, a invenção de uma capital". O escritor angolano Kalaf e o músico seu conterrâneo Toty Sa'Med fizeram uma viagem pela poesia angolana dos anos 60 e 70 – entre a poesia e as canções revolucionárias – a recordar que "Antigamente é que era doce". Com "Sangue Bom", o luso-moçambicano, João Afonso, brindou o público com um concerto rico em lusofonia.