Emigrantes cabo-verdianos vivem na precariedade em São Tomé e Príncipe
18 de setembro de 2014
A situação de precariedade por que passam muitos cabo-verdianos e seus descendentes em São Tomé e Príncipe não é uma novidadfe para as autoridades dos dois países. Nos anos 70, numa das suas primeiras deslocações a São Tomé e Príncipe, o então Presidente de Cabo Verde, Aristides Pereira, fez questão de se inteirar da vida dos cabo-verdianos que tinham sido levados como contratados para trabalhar nas roças de café e cacau naquele arquipélago. Nessa altura, Aristides Pereira encontrou um quadro difícil e tomou uma decisão: todo aquele que estivesse interessado em regressar a Cabo Verde teria o apoio financeiro do então Ministério da Saúde e dos Assuntos Sociais.
Esses cabo-verdianos viviam e ainda vivem na extrema pobreza, muitos deles doentes e idosos, sem quaisquer meios de subsistência. Nos últimos anos, o Governo do primeiro-ministro José Maria Neves atribuiu uma pensão de 50 euros a alguns deles. O próprio primeiro-ministro, numa das suas deslocações a São Tomé e Príncipe, comoveu-se durante uma visita à comunidade, o que criou um certo mal-estar entre os dois governos. Trata-se, nas palavras de José Maria Neves, de “uma matéria muito sensível”.
Comunidades isoladas
“Ainda há muita precariedade, a situação é de extrema pobreza, há situações de indignidade”, enumera o primeiro-ministro de Cabo Verde, referindo-se a algumas das situações que os investigadores cabo-verdianos Nardi Sousa e Elias Moniz encontraram em São Tomé e Príncipe.
No estudo que estão a preparar, intitulado “Direitos Humanos e Cidadania dos Imigrantes em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe: um estudo comparado (1992-2014)”, os especialistas dizem que os cabo-verdianos em São Tomé e Príncipe não têm rendimento que lhes permita viver dignamente, inclusive uma nutrição equilibrada.
De acordo com o professor Nardi Sousa, o resultado da investigação demonstra que existem comunidades de cabo-verdianos em São Tomé e Príncipe encravadas no meio do mato, nas roças, a maioria sem energia eléctrica, água potável ou cuidados de saúde.
“O que nos preocupa é como é que estas pessoas podem acompanhar o salto que São Tomé e Príncipe poderá vir a dar”, explica Nardi Sousa.
Governo garante solução
O investigador considera que é preciso muita inteligência por parte das autoridades de Cabo Verde para resolver o problema dos cabo-verdianos em São Tomé e Príncipe, lembrando que “há pouco tempo o Governo são-tomense lançou uma campanha internacional de desenvolvimento do turismo rural, em que as antigas roças poderão vir a ser privatizadas ou concedidas para exploração do turismo”. A questão que se coloca, segundo o especialista, é “até que ponto os investidores vão assumir o problema dessas comunidades”. “Caso as instituições cabo-verdianas não ajam de forma inteligente, estas pessoas poderão ficar fora desses empreendimentos”, alerta.
Com este estudo, diz Nardi Sousa, pretende-se despoletar um debate no seio da sociedade civil, uma vez que “a questão de São Tomé e Príncipe continua ainda muito actual” e os próprios investigadores sentem “uma certa responsabilidade e preocupação”.
O objectivo já foi conseguido. O primeiro-ministro, José Maria Neves, garantiu que o seu Governo está atento à situação dos cabo-verdianos em São Tomé e Príncipe e, na medida das suas possibilidades, o Executivo vai procurar resolver os seus problemas. “É algo extraordinariamente complexo. Esta questão não foi devidamente acautelada no momento das independências. É preciso continuar a trabalhar, envolvendo os dois governos e o Governo de Portugal”, afirma José Maria Neves.
A emigração dos cabo-verdianos para São Tomé e Príncipe começou em 1903, para trabalhar como mão-de-obra nas roças são-tomenses. Não há número exacto, mas pensa-se, por exemplo, que na ilha do Príncipe 80% da população seja constituída por cabo-verdianos e seus descendentes.