Aumenta número de projetos mineiros em Cabo Delgado
4 de agosto de 2021Um estudo divulgado pelo Centro de Integridade Pública (CIP) indica o aumento acentuado do número de concessões de licenças para projetos mineiros em Cabo Delgado nos últimos quatro anos, em plena crise de segurança na província do norte de Moçambique.
O CIP consultou dados do cadastro mineiro de Cabo Delgado, que mostram que nos 14 anos anteriores aos ataques terroristas na província foram atribuídas 67 licenças - uma média de cinco por ano. Por outro lado, somente de 2017 a fevereiro de 2021, em pleno conflito armado, foram licenciados 46 projetos mineiros – mais do que o dobro da média de concessões nos "anos de paz". Em comparação aos 14 anos anteriores, o número de concessões aumentou 68% nos quatro anos de ataques.
"Era expectável que - com o conflito armado que se pode estender por toda a província - houvesse redução dos pedidos de concessões mineiras, isso seguindo a lógica de um investidor racional, que reduz os seus investimentos quando as incertezas, principalmente a guerra, aumentam. No entanto, os dados mostram uma situação completamente diferente em Cabo Delgado", diz a investigação do CIP.
O CIP ressalva, no entanto, que os dados analisados "mostraram que não foi possível estabelecer uma relação de causalidade entre a exploração de recursos minerais e o conflito armado, porque os distritos até então tomados pelos insurgentes são desprovidos de licenças para a exploração de recursos na província".
Beneficiários ocultos
Os projetos mineiros são voltados para a exploração de rubi, ouro, grafite, pedra de construção e turmalina. A investigação da "watchdog" moçambicana identifica dois tipos de beneficiários legais das concessões - um tipo com capital social baixo e um outro com quase a totalidade do capital social.
"Nestes casos, quase sempre se verifica que o registo legal do detentor do maior capital é uma entidade registada legalmente fora de Moçambique", muitas vezes nas Maurícias, país considerado paraíso fiscal.
Segundo o CIP, grande parte das concessões mineiras em Cabo Delgado está nas mãos de três empresas, cuja propriedade beneficiária não foi possível de identificar. "Das 113 concessões mineiras da província, 7% pertencem à empresa Nairoto Resources, 5% a Gemfields Mauritius, e 4% são detidas pela Kukwira". As duas primeiras empresas têm registo nas Maurícias, a última foi registada em Moçambique.
Sem benefícios à população
A diretora executiva do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), Paula Monjane, defende que um fator para a distribuição justa da riqueza produzida pela indústria extrativa é justamente a transparência, cujos princípios foram claramente feridos nos casos apurados pelo CIP.
"[Há ainda um] debate sobre as compensações das comunidades afetadas, tais como Namanhumbire, Moatize, Moma, Marara, Palma e os benefícios das comunidades hospedeiras dos recursos naturais como Palma, Montepuez e outras", diz Monjane
Monjane e o economista Nuno Castel-Branco participaram esta terça-feira (03.08) na mesa redonda "Indústria extrativa em Moçambique: desafios, sucessos e perspetivas", promovida pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
"Redistribuir o rendimento de forma mais justa, através de sistemas de segurança de rendimento básico e investimento público em bens e serviços básicos que garantam a estabilidade social, melhorem a qualidade de vida e promovam o desenvolvimento", sugeriu Castel-Branco.
Além da falta de transparência, integrantes de organizações da sociedade civil queixam-se da falta de planos de desenvolvimento local e criticam as condições sociais precárias em muitos reassentamentos gerados por projetos da indústria extrativa.