Eleições: Guineenses enviam "mensagem clara" de civismo
26 de novembro de 2019Em entrevista à DW África, Miguel de Barros, membro da Célula de Monitorização Eleitoral da sociedade civil guineense, considera que o pleito eleitoral decorreu da melhor maneira possível e que não há incidentes que possam pôr em causa a credibilidade do processo. Esse sucesso eleitoral, na opinião do sociólogo, tem a ver com o civismo do povo, que não vai na onda dos discursos políticos de incitamento à violência ou ódio.
Miguel de Barros avança ainda que até ao momento, nenhum dos 12 candidatos apresentou reclamação ou pedido de impugnação do processo junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE).
Deutsche Welle (DW África): Qual é a chave para o comportamento cívico dos guineenses nos processos eleitorais, que sempre decorrem sem incidentes e sobressaltos?
Miguel de Barros (MB): Do ponto de vista histórico, os processos eleitorais na Guiné-Bissau, no que tange à participação do cidadão e da sociedade civil, como também dos eleitores, não tem nenhum historial de violência. Outro elemento é que, do ponto de vista da interrupção do processo da legalidade constitucional, sempre que houve alguma ação pondo em causa o desenrolar de todo o processo eleitoral ou da governação, sempre foi através da ação de militares e com intervenção política que consubstanciam muitas das vezes em golpe de Estado. Portanto, nós não temos nenhuma tradição de violência eleitoral, mesmo em situação de um golpe de Estado, durante o período eleitoral, como aconteceu em 2012. É essa que tem sido a prática do processo eleitoral na Guiné-Bissau. Mas também quero frisar que, em todo o processo eleitoral, mesmo no pós conflito político em 1998/99, em que houve bastante mobilidade das pessoas da Guiné-Bissau e também tomando em conta o número de mortes na guerra civil, a taxa de participação dos guineenses no processo nunca esteve abaixo dos 70%. O que demonstra que a sociedade guineense, independentemente de se manifestar crente na alteração do ponto de vista das transições políticas através do mecanismo da democracia eleitoral, também continua a acreditar que o fundamento para a sua ação pública passa essencialmente pela instituição de um processo cada vez mais democrático, inclusivo, mas também transparente.
Esses são, para mim, os elementos mais importantes que demonstram o certo civismo no concurso ao processo eleitoral, independentemente daquilo que é a narrativa da competição política entre os atores quando estão no período da campanha eleitoral. Agora, o decisivo em contextos como a Guiné-Bissau para que haja um processo pacífico e ordeiro, com a crença de que é através da democracia que se luta para a transformação social, é sobretudo quando os elementos estruturais da vida dessa sociedade estão em causa, não só a estabilidade, mas também o acesso à água potável, a eletricidade, vias de comunicação, a saúde ou a educação. Esses elementos ainda são estruturais na Guiné-Bissau e a população acredita que tem que se lutar por esse bem para a sociedade, mas vincado nos pilares democráticos.
DW África: As eleições presidenciais deste domingo foram um sucesso na Guiné-Bissau?
MB: As eleições foram livres, democráticas e, como nós constatámos, não houve nenhuma ação que tenha posto em causa a livre participação do cidadão eleitor e nem também aos elementos que estiveram na concorrência para ter acesso ao poder político. Ao mesmo tempo vimos também, dos pequenos incidentes registados em algumas assembleias de voto, não tiveram nenhum repercussão que pudesse pôr em causa a própria credibilidade de todo o processo. E damos conta de que ao nível de acompanhamento, em termos de monitorização doméstica e internacional, houve uma cobertura nacional dos atores. Desse ponto de vista, o apuramento de eventuais situações que pudessem constranger de algum modo o desenrolar do processo foram atempadamente resolvidas, numa sinergia entre a sociedade civil, os observadores internacionais e a própria Comissão Nacional de Eleições, que deu um caráter mais dinâmico a todo o processo.
O elemento mais interessante é que as pessoas acordaram muito cedo. Estiveram três, quatro horas antes da abertura das urnas [7:00] nas assembleias de mesa de voto onde iriam votar. Antes do meio dia, mais de metade dos eleitores já tinham votado e regressaram ao fim do dia para assistir à contagem dos votos e à fiscalização de todo o processo de afixação dos resultados nas assembleias de voto. O que demonstra que o povo não quis ser um mero elemento que dá o seu voto, mas também que quis fiscalizar a garantia de que o seu voto tinha sido assegurado de acordo com a lei.
DW África: Acredita que os candidatos estão preparados para aceitar os resultados eleitorais?
MB: Não acredito que, nesta fase, nenhum candidato virá ao público para pôr em causa os resultados. Acredito que, da mesma forma que a população se mobilizou de forma cívica, democrática e ordeira para expressar o seu direito, a classe política também irá reagir, reconhecendo os resultados. Isto, porque não há nenhum elemento que possa pôr em causa a clarividência, a transparência, a justeza e processo de inclusão que foi o pleito deste domingo. Também não houve nenhuma reclamação ao nível da CNE que venha no sentido de impugnação dos resultados. Por outro lado, o próprio contexto político e geo-estratégico não favorece qualquer tipo de postura anti-democrática que ponha em causa o resultado.
DW África: Será que povo ainda está confiante que desta vez o seu voto será respeitado pelos atores políticos?
MB: O povo votou com a crença de que tem a capacidade, através de participação cívica e democrática, na transformação do seu país. Isto está claro e essa mensagem passou, não só agora, mas também nas eleições legislativas de março passado. Ao mesmo tempo, o povo convida os atores políticos a corresponderem àquilo que são as suas manifestações e a expressão do seu voto. E, neste momento, vimos que o processo é dos mais pacíficos, mais tranquilos, dos mais transparentes a nível do continente africano. Isso é uma mensagem clara que a sociedade guineense passa para a classe política e para o mundo.
DW África: O que vai determinar a eleição presidencial entre os candidatos?
MB: De acordo com os indicadores dos comportamento eleitoral, a questão da dimensão partidária, do carisma do candidato e ao mesmo tempo o projeto que apela à unidade nacional são elementos mais fortes que determinam a escolha dos guineenses, daí que não acredito que fatores étnicos e religiosos possam pesar na escolha do eleitor guineense.
DW África: Porque é que se diz que estas eleições presidenciais são cruciais para o futuro da Guiné-Bissau?
MB: Estas eleições acontecem numa altura em que o país se encontra numa profunda crise política e governativa. Saímos de uma legislatura onde tivemos sete governos e, ao mesmo tempo, num contexto onde temos uma necessidade de reunir um amplo consenso político para a garantia não só da estabilidade, mas também capacidade da mobilização estrangeira para a transformação do país, por via das reformas estruturais, que iriam permitir investimento público na possibilidade da salvaguarda dos serviços base. Mas isso não aconteceu. Não houve esse consenso político. Houve disputas de poder que tiveram impactos nefastos nas estruturas do Estado, mas em contra ponto, acabaram por favorecer uma emergência civil altamente politizada e a reestruturação da sociedade civil. Dentro desse debate da reconfiguração da luta política, apareceu também a questão da clarificação do regime político para a Guiné-Bissau. A questão, por exemplo, de como é que, através do sistema político que temos, o semi-presidencialismo ou a possibilidade da introdução de presidencialismo, como é que poderiam ser elementos que iriam favorecer a estabilização do regime. Ts também a questão da reforma política esteve bastante em debate durante este período. A estabilização do regime, o modelo constitucional que o país deve adotar nos próximos cinco anos, as reformas - são temas que serão definidos com estas eleições.