Dívidas ocultas: Julgamento arranca em agosto em Moçambique
21 de julho de 2021O julgamento dos 19 arguidos acusados de participação num esquema de dívidas secretas de cerca de 2,2 mil milhões de dólares em Moçambique vai arrancar em 28 de agosto, noticiou esta quarta-feira (21.07) o canal público Televisão de Moçambique (TVM).
Doze dos 19 arguidos do processo principal do caso, conhecido como "dívidas ocultas", estão em liberdade provisória, enquanto sete aguardam o julgamento em prisão preventiva.
Entre os arguidos estão Ndambi Guebuza, filho mais velho do antigo chefe de Estado moçambicano Armando Guebuza, antigos colaboradores próximos do estadista e quadros superiores dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE).
A DW África entrevistou Borges Nhamire, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique, sobre este assunto.
DW África: O que se pode esperar deste julgamento?
Borges Nhamire (BN): É preciso que as pessoas não tenham a expectativa de que o julgamento que começa em agosto vá esclarecer já o caso. É simplesmente o começo da última fase de um processo longo. Até termos uma decisão final transitada em julgado pode levar mais dois anos.
DW África: Porquê?
BN: Pela complexidade do processo e pela qualidade dos réus, que são pessoas com dinheiro para pagar um bom advogado e para ir até às últimas circunstâncias. Vai haver talvez recursos em mais do que uma instância. Quem vai julgar agora é o Tribunal Judicial da cidade de Maputo, mas muito provavelmente o processo vai subir para o Tribunal Superior de Recurso de Maputo e pode ainda subir para o Tribunal Supremo. Aliás, foi isso que fez que o processo demorasse tanto.
DW África: O antigo Presidente Armando Guebuza deverá ser ouvido no âmbito do mesmo processo. Como é que vê essa situação?
BN: O Presidente Guebuza naturalmente deverá ser chamado para esclarecer por que motivo a sua secretária particular chegou a estar envolvida nas dívidas ocultas, como é que o seu filho, que não é funcionário público, chegou a estar envolvido também, como é que o seu ministro da Defesa, o atual Presidente Nyusi, também é referenciado neste caso. Eu compreendo que seja só uma questão de prudência e de tempo até que um dia Nyusi, quando não for mais Presidente, possa ser chamado num processo autónomo das dívidas ocultas para esclarecer alguma coisa.
DW África: Por ser um caso muito mediático, acha que a justiça moçambicana estará em condições para atuar de forma independente?
BN: Da mesma forma que o Ministério Público e a polícia de investigação criminal conseguiram identificar as pessoas e prendê-las, não será da parte do tribunal que faltará o poder e a independência para fazer cumprir as leis. Estamos confiantes nos tribunais moçambicanos.
DW África: Perante tudo isto, o que é que o cidadão pensa sobre o caso das dívidas ocultas e o envolvimento de altas figuras do país na prática de crimes de corrupção?
BN: Penso que a perceção do cidadão comum é que a justiça é muito forte para os fracos e muito fraca para os fortes. É preciso que isso seja contrariado através da independência dos tribunais. Ainda hoje estava a ler argumentos da Privinvest, do mesmo julgamento das dívidas ocultas que está a decorrer em Londres, e eles reafirmam que pagaram dinheiro a altos funcionários do Estado e inclusivamente ao Presidente Nyusi. Eles fizeram esses pagamentos para investimentos e para financiar a campanha eleitoral. Não faltam elementos que comprovam que altos dirigentes do Governo e o filho do Presidente Guebuza receberam dinheiro da Privinvest. Nos termos da lei moçambicana, esse recebimento de dinheiro configura corrupção. A forma de mostrar ao cidadão moçambicano que a Justiça não está lá para punir só os mais fracos é através de transparência no julgamento, o que significa transmitir o julgamento em direto na televisão para que as pessoas possam ver, mas também que as decisões sejam claras e justificadas. A ausência de Manuel Chang não pode servir de justificativo. Manuel Chang, no dia em que cá vier, será julgado no processo e a sua ausência não impede que o caso seja esclarecido aqui em Moçambique.