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Guebuza e Boustani: "Relação pessoal e além do Estado"

15 de novembro de 2019

Borges Nhamire, do CIP, comenta a comunicação entre Jean Boustani e Armando Guebuza no âmbito das dívidas ocultas e afirma que ex-Presidente queria proteger os projetos que aprovou e que beneficiaram diretamente o filho.

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Foto: Fotolia/Pavel Ignatov

O Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos, FBI, citou o nome do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, no Tribunal de Brooklyn, em Nova Iorque, onde decorre o julgamento do cérebro das dívidas ocultas, Jean Boustani, negociador da Privinvest.

Armando Guebuza é citado como tendo trocado mensagens com Boustani entre 2015 e 2016. Estas conversas surgiram quando decorriam negociações para discutir a reestruturação da dívida entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Executivo de Filipe Nyusi.

As provas foram apresentadas pela agente do FBI Fátima Haque. A DW África ouviu Borges Nhambire do CIP, Centro de Integridade Pública, que está em Nova Iorque a acompanhar este julgamento.

DW África: Como é que o nome do antigo chefe de Estado foi mencionado no julgamento?

Borges Nhambire (BN): Guebuza é mencionado no julgamento pela última testemunha trazida pelo Governo norte-americano, que é uma agente do FBI [Fátima Haque], especialista em informática. Ela veio apresentar as provas das evidências das tranferências feitas para personalidades moçambicanas, para antigos colaboradores do Credit Suisse, de pagamentos ilícitos, que é o objeto do julgamento. E, nesse contexto, mostrou 700 mensagens intercetadas pelo FBI e apresentou ao tribunal.

Borges Nhamire, investigador do Centro de Integridade Pública.Foto: CIP

Nas mensagens, um dia antes da reestruturação da dívida da EMATUM, Jean Boustani informa Guebuza, com tratamento de "papá", que garantiu com sucesso o refinanciamento de todos os projetos, "estou a trabalhar para os interesses de Moçambique, como sempre me instruiu e sempre desejou. Posso garantir que foram emitidos novos títulos da EMATUM e serão vendidos com sucesso". E Guebuza  respondeu "ok, obrigado".

Há outra mensagem, também, de 20 de abril, num momento em que o primeiro-ministro [Carlos Agostinho do Rosário] e Isaltina Lucas, na altura vice-ministra das Finanças, estavam em Washington, num encontro com Christine Lagarde, na altura diretora do FMI. Jean Boustani manda uma mensagem para Guebuza a dar-lhe relatório sobre o que aconteceu na reunião e ele respondeu "nice filho, obrigado".

DW África: O que significa esse tipo de tratamento?

BN: Esse tratamento não é de negócio. Mostra uma relação pessoal entre Guebuza e Jean Boustani. Em segundo lugar, não se compreende o interesse de Guebuza quando já não era Presidente a acompanhar esse processo. Estava uma delegação da República de Moçambique, liderada pelo primeiro-ministro, integrando a vice-ministra das Finanças e um agente dos serviços secretos que ia negociar com o FMI, e Guebuza já não era Presidente há mais de um ano. E quem manda a informação a atualizar Armando Guebuza sobre um trabalho oficial e do Estado é Jean Boustani. Isso mostra também uma relação para além do Estado. Acho que, naquele contexto, quem devia ser informado era o chefe do Estado, no caso, Filipe Nyusi. Então, mostra uma relação pessoal entre Guebuza e Jean Bosutani. Não sei se essa relação nasceu antes do negócio ou depois do negócio das dívidas ocultas.

DW África: Que papel tinha o ex-chefe de Estado em 2016 na reestruturação da dívida?

BN: Armando Guebuza continuava a exercer grande influência na reestruturação da dívida da EMATUM. É preciso ser dito que a reestruturação da dívida da EMATUM era importante para que ela não entrasse em default naquele contexto de 2016. E foi a reestruturação da dívida que aconteceu uns 15 dias antes de serem descobertas as dívidas ocultas [da MAM e da ProIndicus]. É preciso dizer que nestas dívidas ocultas a pessoa que mais recebeu dinheiro ilícito até aqui, e de acordo com a acusação, terá sido o filho de Guebuza. Ele recebeu 60 milhões de dólares, segundo a acusação do FBI. Então, podemos entender que Guebuza tinha interesses particulares na reestruturação da dívida da EMATUM para não ir a default porque, indo a default, desvendava esse todo escândalo. O default veio a acontecer no mesmo ano para alguns e outros em 2017 e entrou-se na crise em que se entrou e até que levou ao julgamento.

DW África: O que significa quando Boustani diz "estou a fazer isto como sempre desejou", como sempre instruiu?

Guebuza e Boustani: "Relação pessoal e além do Estado"

BN: Nas duas mensagens que Boustani termina dizendo que "sempre a servir os interesses de Moçambique como sempre desejou e como sempre me instruiu". Está a dizer que Guebuza instruiu a servir os interesses de Moçambique tanto na reestruturação da dívida da EMATUM como na descoberta das dívidas ocultas em renegociação com o FMI. É um contexto em que Guebuza reivindica algum poder. Mas também num contexto em que Gubuza quer proteger os projetos que ele aprovou e que beneficiaram diretamente o seu filho, segundo a acusação, em 60 milhões de dólares.

DW África: O que seria bom para o ex-Presidente da República neste caso?

BN: Era importante que o antigo Presidente da República fosse esclarecer o caso na justiça em Moçambique. Seja em declarações, seja em processo, os tribunais saberão melhor dizer qual era o contexto daquela troca de mensagens com Jean Boustani, que é considerado o cabecilha de todo o processo.

DW África: Foi revelada a identidade desse "new man", "new guy", "nuy" ou "nys", mencionado também no julgamento?

BN: Durante o processo de distribuição do dinheiro, as pessoas eram tratadas com nomes que foram criados para a ocasião. Os pseudónimos são distribuídos a pessoas no contexto do crime para não serem tratadas pelos seus nomes oficiais. É uma figura que o FBI diz que não conseguiu perceber quem era e que recebeu dois milhões de dólares. Esta figura chama-se "new guy", "new man", "nys", "nuy". Se eles que fazem a acusação não conseguiram, quem somos nós para interpretar o nome?

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