Dívidas ocultas: Leitura da sentença prossegue segunda-feira
4 de dezembro de 2022Mais de um milhão e seiscentos mil dólares - foi quanto o antigo conselheiro político do ex-Presidente Armando Guebuza, Renato Matusse, recebeu da Privinvest, a empresa libanesa acusada do pagamento de subornos em Moçambique no âmbito das dívidas ocultas.
Durante a sua audição, em setembro, Renato Matusse disse ao Tribunal que apenas recebeu o valor do diretor executivo Jean Boustani para resolver alguns problemas pessoais. Mas este sábado, o quarto dia da leitura da sentença do maior escândalo de corrupção em Moçambique, o juiz Efigénio Batista deu como provado que Renato Matusse recebeu o dinheiro e comprou um imóvel à declarante Neusa Matos, antiga conselheira de Guebuza, com dinheiro transferido diretamente da Privinvest.
"Porque é que o réu Renato Matusse reagiu de forma desagradada quando soube que a declarante Neusa Cristina de Meneses Matos transferiu dinheiro que estava a mais na sua conta do Milenum Bim? Porque é que o réu Renato Matusse disse à declarante Neusa Matos que o dinheiro provinha da editora Macmilan por conta dos seus direitos autorais de livros por si escritos, enquanto sabia que o dinheito vinha da Privinvest? É preciso destacar a astúcia do réu Renato Matusse", afirmou o juiz.
O analista Wilker Dias entende que Renato Matusse agiu de forma consciente, como ajuiza Efigénio Batista, tal como os réus Ndambi Guebuza, filho do antigo Presidente, Teófilo Nhangumele e Bruno Langa. "E os elementos que são apresentados pelo juiz Efigénio e pelo Ministério Público... algumas questões acabam revelando que de fato pode existir esta questão de agir consciente e as provas que também foram apresentadas ao longo deste processo acabam vincando que houve um ato voluntário", explica.
Guebuza influenciado pelo filho
Na leitura da sentença com mais de 1.300 páginas, o juiz disse ainda haver provas de que Ndambi Guebuza influenciou o seu pai para aprovar o projeto Sistema Integrado de Monitoria e Segurança, SIMP. Wilker Dias não tem dúvidas: "Praticamente foi uma ingerência [nos assuntos do Estado] com o aval do pai. É extremamente lamentável".
Se o antigo Presidente Armando Guebuza aceitou influência do filho, o analista diz que há elementos que podiam levar o antigo chefe de Estado ao banco dos réus, mas tudo isso ficou refém do tempo. "E eu acredito que o tempo era o que o Governo não queria perder por conta dos apoios do FMI, do Banco Mundial e de outras instituições que estão praticamente dependentes deste fator que é o julgamento das dívidas ocultas", lembra.
Moiane recebeu dinheiro da Privinvest
Ainda no sábado, o juiz Efigénio Batista deu como provado que a antiga secretária de Armando Guebuza, Maria Inês Moiane Dove, recebeu do grupo Privinvest 800 mil dólares. Na altura das audições, Inês Moiane justificou que o dinheiro se destinava à compra de um terreno para o diretor-executivo do grupo, Jean Boustani.
"Transbordaram em fatos que sabiam que eram falsos, até porque a semi Consultoria e Investimento não prestou nenhum serviço à logística internacional em Abu Dabhi. O referido contrato não foi celebrado por eles com objetivo de ser cumprido, mas apenas de servir de cobertura para a recepção dos 877 mil euros provenientes do Grupo Privinvest", disse o juiz.
Entretanto, Efigénio Baptista revelou que não encontrou "provas suficientes" da participação de oito dos 19 arguidos do processo em qualquer crime. Entre os oito arguidos sobre os quais o magistrado disse não ter apurado prova está Mbanda Anabela Buque Henning, irmã de Ângela Leão, arguida e mulher do arguido e antigo diretor do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) Gregório Leão.
Também não foram encontrados elementos probatórios em relação a antigos funcionários de uma agência de câmbios apontada pela acusação do Ministério Público moçambicano como veículo para a lavagem de dinheiro arrecadado no esquema das dívidas ocultas.