Dívidas ocultas: Acordo e recurso podem afetar julgamento
2 de outubro de 2023O início do julgamento do processo das dívidas ocultas de Moçambique está marcado para hoje (02.10) em Londres, mas a sua realização é incerta devido ao acordo extrajudicial alcançado no domingo com o Credit Suisse e ao recurso sobre a imunidade do Presidente Filipe Nyusi.
O Grupo UBS, dono do Credit Suisse, anunciou que o acordo também abrange os restantes credores, sem adiantar mais pormenores sobre o valor do acordo, mas no sábado a agência Bloomberg noticiou que o grupo suíço estava a oferecer até 100 milhões de dólares (cerca de 94 milhões de euros) para deixar cair o processo contra o banco.
"As partes libertaram-se mutuamente de qualquer passivo e reivindicações relacionadas com as transações", referiu o banco, que foi comprado, em junho, pelo grupo.
O Ministério da Economia e Finanças de Moçambique anunciou para hoje uma conferência de imprensa conjunta com a Procuradoria-Geral da República (PGR) durante a qual se pronunciará sobre a ação do Estado, em Londres, contra o Credit Suisse.
Recurso contra imunidade do PR
O julgamento seria o culminar de quase quatro anos de litígio na justiça britânica, à qual o país africano recorreu alegando suborno, conspiração para lesar por meios ilícitos e assistência desonesta para anular dívidas e reclamar compensação financeira no valor de milhões de dólares.
Na sexta-feira, o Tribunal de Recurso autorizou o grupo naval Privinvest a recorrer de uma decisão que tinha reconhecido ao Presidente moçambicano Filipe Nyusi imunidade deste caso.
"Se o julgamento deve ou não ser adiado deve, portanto, depender do facto de qualquer parte solicitar e, obviamente, da opinião ponderada do juiz sobre se tal adiamento deve ser concedido. Esta questão cabe-lhe a ele", referiu a juíza Elizabeth Laing na decisão.
Quatro anos de litígio em Londres
O processo no Tribunal Comercial de Londres, parte do Tribunal Superior [High Court], começou em 2019.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), em nome do Estado moçambicano, iniciou uma ação judicial para a anulação das garantias dadas sobre um empréstimo ao banco Credit Suisse em nome da empresa estatal ProIndicus, no valor de 622 milhões de dólares (589 milhões de euros no câmbio atual), bem como de outras despesas associadas.
O país africano reclama também a indemnização por "perdas macroeconómicas" superiores a mil milhões de dólares (950 milhões de euros) resultantes da crise financeira criada pela suspensão do financiamento do Fundo Monetário Internacional e outros doadores internacionais, segundo cálculos revelados em tribunal por advogados que representam a PGR.
Moçambique alega que o país foi vítima de uma conspiração e que a Privinvest e o proprietário, Iskandar Safa, pagaram subornos superiores a 136 milhões de dólares (127 milhões de euros) a altos funcionários moçambicanos e do Credit Suisse envolvidos nas negociações.
Dos barcos de pesca aos tribunais
O caso remonta a 2013 e 2014, quando o então ministro das Finanças moçambicano Manuel Chang aprovou, à revelia do Parlamento, empréstimos de três empresas estatais moçambicanas (Proinducus, Ematus e MAM) aos bancos Credit Suisse e VTB para financiar a compra de barcos para a pesca do atum e equipamento de segurança marítima.
Descoberto em 2016, o caso ficou conhecido por "dívidas ocultas", as quais foram estimadas em cerca de 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros), segundo o Ministério Público moçambicano, e originou processos judiciais nos Estados Unidos e em Moçambique.
A PGR de Moçambique argumenta que as garantias oficiais dadas para autorizar os empréstimos não devem ser consideradas válidas porque terão sido obtidas através de corrupção.
Tanto o Credit Suisse como a Privinvest negam irregularidades ou responsabilidade sobre eventuais pagamentos ilícitos.
Em 2021, o banco suíço foi multado pelos supervisores financeiros dos EUA, Reino Unido e Suíça em 475 milhões de libras (450 milhões de euros) por falhas em identificar o risco de suborno e perdoou 200 milhões de dólares (190 milhões de euros) da dívida de Moçambique.
O julgamento abrange 11 processos e arbitragens relacionadas, incluindo do Banco Comercial Português, que forneceu parte dos fundos, o banco russo VTB e de outros investidores e instituições financeiras que se sentem lesados.