Estoque da economia mostra que é possível pagar dívida
1 de junho de 2016Moçambique começa a negociar a reestruturação de dívidas ocultas com bancos estrangeiros, mas ainda pairam dúvidas de que o país tenha condições de arcar com valores quase equivalentes ao PIB do país.
Para o economista moçambicano Ragendra de Sousa, o estoque da economia nacional mostra que a dívida orçada em 1,4 mil milhões de dólares ainda é sustentável.
Em entrevista à DW África, o analista defende que uma solução a médio prazo é possível com investimentos nos projetos de gás no norte do país.
"Se o PIB cresce, a porcentagem da dívida reduz, e de insustentável, facilmente, poderá passar a ser sustentável", diz.
DW África: Moçambique está a firmar acordos com credores para reestruturar as dívidas ocultas orçadas em 1,4 mil milhões de dólares. O senhor acredita que o governo conseguirá pagar esse montante?
Ragendra de Sousa (RS): A responsabilidade sobre a execução de qualquer empréstimo está tanto no financiador quanto no financiado. Isso não vale só para Moçambique, é uma regra internacional. Emprestaram, sim. Pedimos, sim. Mas a responsabilidade é repartida. Quero crer que, da parte moçambicana, haverá todo o esforço para que essas empresas iniciem a sua produção. Por sua parte, os financiadores têm que colaborar para que de facto o pagamento seja a partir da produção e não pelos impostos do cidadão.
DW África: Esse processo deve levar muito tempo?
RS: Partindo do exemplo da outra empresa que foi reestruturada, a EMATUM, quero crer que, com boa vontade e com a técnica em cima da mesa, esse será um processo que poderá durar não mais que um mês, não havendo percalços pelo caminho. Da nossa parte, todo o cuidado tem que haver sobre os juros a cobrar sobre a reestruturação. Se todo o ônus ficar para Moçambique, ficamos sob a pressão de ter uma taxa de juros incomportável.
DW África: E diante da possibilidade de juros altos a dívida moçambicana ainda é sustentável?
RS: Embora o estoque da economia seja baixo, a expectativa de curto a médio prazo não é tão negativa. Estamos a falar de um prazo de um a dois anos. Mas temos certeza que assim como a produção do carvão, que ainda está em curso, a do gás também virá. É uma questão de tempo. Não se deixa uma reserva de gás, como a que Moçambique tem, não explorada porque a dívida está acima do rácio acordado com o FMI [Fundo Monetário Internacional]. Não faz qualquer sentido. O estoque da economia moçambicana mostra que é possível pagar. O problema é quando. E esse quando tem a ver com os projetos de gás no norte do país. Essa é uma atitude a se tomar com ou sem crise.
DW África: Agências de notação financeira, como a Standard and Poor's e Fitch, reduziram a avaliação de crédito de Moçambique. Qual o impacto da dívida no plano externo?
RS: A primeira consequência é impedir Moçambique de ir aos mercados de capital normais e ter acesso a crédito. Mas, se o PIB cresce, a porcentagem da dívida reduz e de insustentável, facilmente, poderá passar a ser sustentável, o que não retira toda a problemática da credibilidade. Mas tudo leva a crer que a curto prazo os projetos sejam implementados e o país tenha condições de manter as importações de bens essenciais, para também reduzir uma possível crise social interna.
DW África: O senhor acredita que haverá responsabilização pelos empréstimos ocultados?
RS: O partido no poder, no seu último comitê central, orientou o Governo a ir ao Parlamento e prestar um esclarecimento mais detalhado. Quero crer que o processo será conduzido de forma a que a imagem e a credibilidade externa e interna do país sejam retomados. A nossa Procuradoria da República também abriu dois processos para estudar e investigar esses créditos. Ao nível institucional, pelo menos estão dados os passos.