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Dívida angolana: "Presidente deve deixar de pensar no MPLA"

20 de fevereiro de 2018

Economista analisa o endividamento de Angola, que já sacrifica a população e chegará a mais de 30 mil milhões de euros até 2022. Solução estaria numa postura menos "partidária" do Presidente da República.

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Joao Manuel Goncalves Lourenc Verteidigungsminister Angola
Foto: picture alliance/dpa/R. Jensen

O Estado angolano terá de desembolsar até 30 mil milhões de euros entre 2019 e 2022 para assegurar o pagamento da dívida interna e externa do país, segundo dados do Plano Anual de Endividamento para 2018, do Ministério das Finanças.

Entre as medidas anunciadas pelo Governo para amortizar a dívida está a utilização dos valores excedentes da venda de petróleo. Mas, em entrevista à DW África, o economista angolano Precioso Domingos afirma que esta estratégia não é eficaz e que o "modelo do petróleo está esgotado".

Em declarações à agência de notícias Lusa, o ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, disse que a dívida pública do país ameaça "hipotecar as gerações futuras". Mas o economista discorda, sublinhando que a população já vive sacrificada. Para Domingos, parte da solução para a sustentabilidade da dívida está relacionada com a postura do Presidente da República, João Lourenço, que, na opinião do economista, deve adotar uma posição menos "partidária" ao encarar o endividamento do país.

Angola Dr. Precioso Domingos
Precioso Domingos: "Angola já não tem margem para usar o petróleo como uma garantia de empréstimos"Foto: Privat

DW África: Como é que esta dívida interna e externa de 30 mil milhões de euros vai prejudicar o cidadão angolano comum?

Precioso Domingos (PD): [A vida] vai ficar mais cara, porque a forma como o Governo mantém a inflação, num país que não tem produção, é através da relação entre o kwanza e a moeda estrangeira. Quanto menos dólares ou euros o Banco Nacional de Angola tem para disponibilizar no mercado, mais fraco o kwanza fica. Portanto, uma maior desvalorização do kwanza significa um aumento do preço das importações. Automaticamente, isto reflete-se num aumento do nível geral de preços, o que não ocorreria se a dívida externa fosse pouca ou até mesmo inexistente nesse contexto. Assim, mesmo que o país dependesse das importações, se não houvesse o problema da dívida, conseguiria a seu tempo realizar a produção interna sem sacrificar a população.  

DW África: O peso da dívida angolana é uma ameaça para as gerações futuras, como o ministro das Finanças referiu, ou os cidadãos já sofrem com este endividamento?

PD: Isto já não é um caso do futuro. Pelo menos 52% do Orçamento geral do Estado (OGE) é destinado ao pagamento de dívida. Isso quer dizer que o Governo só tem capacidade de manobra para realizar a despesa "que lhe interessa", que tem impacto sobre a população, de 47%. Consequência: o OGE foi, de uma certa forma, ao Parlamento, saiu de lá com uma ligeira alteração, sob a justificação de que houve um acréscimo em relação às rubricas da educação e da saúde, mas isto está a ser feito à custa de endividamento. Portanto, isto aqui é muito preocupante, porque quando até a educação e a saúde já são financiadas através de mais endividamento, é porque isto não tem futuro.

Bildergalerie Angola Rohstoffe
Cazenga, no arredores de Luanda, é retrato da pobreza em que vivem muitos angolanos (arquivo/2012)Foto: DW/R. Krieger

DW África: Angola pretende utilizar recursos excedentes da venda de petróleo para tentar amortizar a dívida. Acha que apostar tudo no petróleo é um risco?

PD: Angola já não tem margem para usar o petróleo como uma garantia de empréstimos. O sistema de linha de créditos que é usado pela China está esgotado. O aumento do preço do petróleo não nos diz tanto como dizia no tempo em que o preço do petróleo era 100 [dólares]. Não obstante o facto de se estar a registar um preço do petróleo ligeiramente acima daquilo que está no OGE, isso não significa muito para o país. Está esgotado o modelo do petróleo.

Dívida angolana: "Presidente deve deixar de pensar no MPLA"

DW África: Para além do petróleo, que outras medidas é que o Governo deve adotar para a sustentabilidade da dívida pública?

PD: Temos aí uma série de dívidas que foram contratadas por empresas privadas, que não se sabe de quem são, a quem pertencem, de que o Governo assumiu a garantia, e essas empresas agora passaram a dívida para o Estado. Mas a questão é: de quem são essas empresas? Porque é que o Estado vai assumir a empresa do "A" e não a do "B"? Portanto, isto é uma técnica. Se assumir a dívida tal como ela é, na verdade o novo Presidente vai entrar em conflito com o povo para beneficiar uma elite. Isto também tem consequências a nível partidário. Então, o novo Presidente, para também ter sucesso nisso [na sustentabilidade da dívida], também teria que deixar de pensar a nível partidário, contentar-se com a Constituição, que já é muito forte, e eliminar a intenção de ser o presidente do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder], porque essa intenção faz com que tenha de comprar uma série de figuras no partido para que não tenha de entrar em choque. E resolver o problema da dívida com uma auditoria implica também ter choques políticos.

Thiago Melo da Silva
Thiago Melo Jornalista da DW África em Bona