Trump insiste em fraude: Desculpas de mau perdedor?
8 de novembro de 2020"VENCI ESTA ELEIÇÃO, E POR MUITO!" - Donald Trump escreveu a mensagem com maiúsculas na rede social Twitter - foi uma espécie de grito de insurreição. Várias televisões norte-americanas - desde a CNN à sua favorita Fox News - davam como certa a vitória do candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden.
Trump não se resigna. Para ele, estas eleições foram uma "grande fraude".
"Aconteceram coisas más, que os nossos observadores não puderam ver. Nunca aconteceu. Milhões de votos por correspondência foram enviados a pessoas que nunca os pediram", escreveu Trump no Twitter.
O post do Presidente Donald Trump é acompanhado de uma mensagem da equipa do Twitter: "Esta alegação de fraude eleitoral é contestada."
O rival de Trump, Joe Biden, conquistou mais de 74 milhões de votos, segundo os últimos dados da contagem. Biden venceu em casa, no estado da Pensilvânia, com uma margem de 0,5 pontos percentuais em relação a Trump. Foi um estado-chave que abriu ao democrata a porta para a Casa Branca.
Onde é que já ouvimos isto?
As alegações de fraude de Donald Trump fazem lembrar episódios de outras presidenciais - fora dos Estados Unidos.
"Pensei que isso só acontece aqui em África", escreveu um seguidor na página da DW África no Facebook. "Afinal, só sabem criticar os africanos?", perguntou outro utilizador.
É longa a lista de políticos que não se conformaram com os resultados das eleições ou que se chegaram até a insurgir contra o sistema político. Nos últimos dias, a relutância de Trump em aceitar o resultado tem sido bastante comparada à renitência do ex-chefe de Estado da Gâmbia, Yahya Jammeh, em reconhecer a derrota nas presidenciais de 2016. Jammeh também se queixou de fraude na contagem dos votos, mas, mais tarde, acabou por ceder à pressão internacional, deixou a Presidência e saiu do país.
Não deixa de ser irónico, comentam os analistas, que o Presidente de um dos países que mais dá "lições de moral" ao mundo sobre democracia se insurja agora contra os resultados das eleições.
"Durante muito tempo, os Estados Unidos foram um dos maiores defensores de eleições pacíficas, livres e justas e da democracia em geral", disse o satirista político queniano Patrick Gathara em entrevista à DW. "De muitas formas, têm-nos ajudado a melhorar as nossas democracias, mas parece que dizem uma coisa e fazem outra."
Voto por correspondência é perigoso?
"PAREM A CONTAGEM!", twittou Donald Trump a 5 de novembro - dois dias depois da votação - à medida que os votos eram contados e faziam pender a balança para o democrata Joe Biden. O apelo era ecoado por manifestantes pró-Trump nas ruas. Os apoiantes de Biden pediam o contrário: "Contem os votos!"
Para Donald Trump, o grande mal nestas eleições é a votação por correspondência (incentivada pelos estados em tempos de Covid-19). Há muitos meses que o Presidente promove uma cruzada contra este sistema, que - segundo Trump - é particularmente propenso à falsificação. "Podem ser imprimidas milhares de falsificações, as pessoas podem ser 'forçadas' a assinar. E nomes podem ser forjados", escreveu Trump em março no Twitter.
De facto, já houve casos de fraude, não só nos Estados Unidos como noutros países onde se usa o voto por correspondência. Na Alemanha, por exemplo, em 2018, quatro políticos do partido "A Esquerda" foram condenados por terem preenchido os boletins de voto de cidadãos e forjado as suas assinaturas. No entanto, os especialistas insistem que estes casos são a exceção, não a regra.
Em 2017, o Centro Brennan para a Justiça da Universidade de Nova Iorque estimou que o risco de fraude eleitoral nos Estados Unidos varia entre os 0,00004% e os 0,0009%.
À DW, a missão de observação eleitoral nos EUA da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) confirmou na semana passada que não havia "qualquer prova de irregularidade sistémica" na Pensilvânia, um dos estados onde o Presidente Trump alegou ter havido fraude. Segundo a diplomata Urszula Gacek, chefe da missão da OSCE, o único problema encontrado na Pensilvânia foi o caso de um carteiro que "despejou um saco de cartas em que estavam também boletins de voto".
Desculpas de mau perdedor?
Os advogados da campanha Trump-Pence têm tido dias agitados - seja para pedir a paragem da contagem dos votos, alegando fraude sem apresentar evidências, seja para pedir uma recontagem.
Na Pensilvânia, os republicanos foram ao Supremo solicitar que os votos recebidos depois do dia das eleições fossem separados dos outros. O tribunal anuiu. No entanto, as autoridades já estavam a colocar esses boletins de parte, pela via das dúvidas. Mesmo que esses votos acabem por ser contabilizados no final, o que se pensa é que não deverão mudar em nada o resultado.
Na sexta-feira, o senador republicano Mitt Romney (que perdeu em 2012 contra Obama na corrida à Casa Branca) escreveu no Twitter que Donald Trump tem todo o direito de contestar os resultados e pedir a investigação de supostas irregularidades, sempre que houver provas disso. Contudo, continua Romney, o Presidente erra ao "dizer que as eleições foram manipuladas, corruptas e roubadas - ao fazê-lo está a prejudicar a causa da liberdade aqui e no mundo inteiro, enfraquecendo as instituições em que se assenta a República e inflamando paixões destrutivas e perigosas, de forma irresponsável".
Ao falar em "grande fraude", sem provas, Donald Trump "coloca em causa o sistema político dos norte-americanos, que tanto se gabam em ser um Estado Democrático de Direito", resume uma seguidora da DW África no Facebook. Esse tipo de comentários é a "arma dos fracos e maus perdedores", acrescenta outro utilizador.
No dia das eleições, Trump reconheceu que "perder nunca é fácil" e que ainda não tinha pensado no discurso em caso de derrota. Em julho, numa entrevista à cadeia de televisão Fox News, o Presidente disse que "teria de ver" se aceitaria os resultados da votação.
"Não vou dizer nem que sim, nem que não", disse Trump.
A perceção é que declarações como esta ou tiradas de Trump no Twitter como "onde importava, eles roubaram o que tinham de roubar" têm o poder - porque ditas pelo Presidente - de lançar uma sombra de dúvida sobre todo o processo eleitoral e até sobre o próprio sistema político. Trata-se de uma "ameaça inaceitável à continuidade da democracia americana", alertou Michael J. Abramowitz, presidente da organização não-governamental Freedom House.
Mas os democratas - que previram o cenário atual ainda antes das eleições - parecem não se deixar intimidar: "Como dissemos a 19 de julho, será o povo americano a decidir estas eleições. E o Governo dos Estados Unidos é perfeitamente capaz de escoltar invasores para fora da Casa Branca", afirmou a campanha de Joe Biden.