A difícil construção de uma nova Angola
31 de março de 2012No dia 4 de Abril de 2002 foi assinado o acordo de paz entre o governo do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola – e a UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola –, as duas formações políticas que mais influência tinham e têm no país.
Os dois partidos pousaram as armas e puseram, assim, um ponto final a 27 anos de guerra civil. Uma guerra que provocou a fuga de muitos angolanos para outros países. Segundo dados do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados , mais de 600 mil refugiaram-se no estrangeiro e cerca de 4 milhões dispersaram-se pelas regiões do próprio país. Assim, um terço da população do país procurou refúgio fora ou dentro de Angola.
Como tudo começou
A guerra começou com a luta contra o poder colonial. Em 1961 vários grupos iniciaram a luta contra o colonialismo português.
O MPLA, apoiado pela União Soviética e por Cuba, foi um desses grupos, assim como a UNITA que, inicialmente, teve o apoio da China, e a FNLA, que teve o apoio de Mobuto Sese Seko, na altura presidente do então Zaire.
No entanto, depois da independência, o líder da UNITA, Jonas Savimbi, aliou-se à África do Sul e aos Estados Unidos da América. A guerra em Angola já não era só dos angolanos. O ocidente e o leste alastravam as suas ideologias através do apoio que davam a vários países em África. A "Guerra Fria" tornou-se uma "Guerra Quente" em Angola.
Paz falhada – Bicesse e Lusaka
Em 1991 a UNITA e o governo do MPLA assinam os acordos de Bicesse, uma localidade no Concelho de Cascais na região de Lisboa.
Em 1992 são realizadas as primeiras eleições presidenciais. O candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, saiu vencedor, embora sem maioria absoluta.
Porém, Jonas Savimbi, o líder da UNITA, acabou por não aceitar o resultado e assim nunca teve lugar a segunda volta entre os dois.
A seguir a um ataque das forças do governo contra apoiantes da UNITA e do FNLA em finais de outubro de 1992, o chamado "massacre de Halloween", o país entrou novamente em guerra.
Mais um protocolo de paz é assinado em Lusaka, na Zâmbia, em 1994. Mais um fracasso – a guerra continuou.
Mas quando no dia 22 de fevereiro de 2002 Jonas Savimbi, considerado a pessoa mais carismática da oposição em Angola, é morto pelos soldados governamentais no leste de Angola, abre-se o caminho para a paz.
Conquistas da paz
A 4 de Abril de 2002 assinou-se o acordo da paz que dura até agora- 2012. Quando a guerra acabou, Vitor Pedro, um homem que lutou ao lado da UNITA durante 17 anos, disse o seguinte: "O que nós queremos é mesmo a paz. A paz de todos os angolanos para todo o povo viver bem comer bem e trabalhar bem". As palavras poderiam ter saído da boca de qualquer outro angolano. O povo estava cansado de mais de 40 anos de guerra.
O jovem rapper MCK, que é bastante crítico em relação à realidade no seu país, acredita que "com o fim das hostilidades militares, a primeira grande vantagem, é que o angolano deixou de morrer por razões injustificadas que era a guerra".
Enquanto o professor de economia da Universidade Católica de Luanda, Justino Pinto de Andrade, valoriza outro aspecto ainda: "Hoje já circulamos dentro do País sem grandes dificuldades. As estradas formam reconstruídas outras formam mesmo construídas. E então os angolanos já podem circular pelas estradas o que era impossível no passado".
Mas outras vozes pedem cautela em relação à paz em Angola. José Patrocínio, da organização não-governamental OMUNGA em Benguela, diz: "Não considero que nós estamos a viver em paz. Considero que estamos a viver 10 anos de calar das armas. E talvez essa seja a maior conquista: as armas terem se calado e a guerra ter terminado, mas é necessário continuar a construir-se a paz".
Passado presente
As conquistas dos 10 anos de paz em Angola são enumeradas com cautela agora que se conhecem os desafios de uma convivência pacífica. As pessoas que lutaram as guerras ainda vivem. Muitas feridas ainda estão por sarar. Até mesmo as minas, que ainda se encontram no solo angolano, não deixam esquecer esse passado bélico.
José Patrocínio da OMUNGA acredita que a paz em Angola é frágil: "Não se fez um processo de pacificação. Não se fez um processo de transição. Acredito que o processo constituinte podia ser o processo de pacificação, de reunificação. Mas não foi feito nesse sentido já que o resultado é este que nós estamos a ter agora". José Patrocínio refere-se aos 32 anos de um governo que levou cidadãos às ruas para mostrarem a sua insatisfação.
Paradoxo: crescimento económico e pobreza
A insatisfação do povo angolano reflete-se também no bolso da grande maioria da população. A seguir à paz, em 2002, Angola viveu um dos maiores crescimentos económicos de todos os países do mundo, atingindo um crescimento de mais de 20 % em 2005 e em 2007. Apesar deste crescimento vertiginoso, muitos angolanos continuam a viver na pobreza.
Norberto Garcia, o secretário para os assuntos políticos, eleitorais e económicos do MPLA diz sobre os motivos desta aparente contradição que “enquanto tivermos uma taxa de analfabetismo ainda elevada, isto vai dificultar a distribuição da renda nacional. Porque onde há analfabetismo há pobreza. A pobreza está muito relacionada ao grau de analfabetismo".
Mas o rapper MCK opina: "O país preocupou-se mais com o crescimento quantitativo do que com o qualitativo. E não foi um crescimento direcionado à pessoa humana. O homem não esteve no centro desse crescimento, o homem foi posto à parte. E as poucas coisas que cresceram foram as infra-estruturas – o chamado crescimento de betão".
Centralização de investimentos
De acordo com o Banco Mundial, em 2010, uma em seis crianças morria nos primeiros cinco anos de vida no país. E segundo dados da ONU Angola tem um desenvolvimento humano ao nível do Madagascar, apesar de ter um Produto Interno Bruto per capita ser cinco vezes mais alto do que o Madagascar (PIB per capita em 2011: 5.278 dólares em Angola e 912 dólares no Madagascar).
Dados aparentemente contraditórios que Orlando Castro, jornalista angolano exilado em Portugal há cerca de 30 anos, explica da seguinte forma: "O regime de Angola não soube canalizar todo esse potencial económico, todo seu crescimento, para diversificar o crescimento dos diferentes pontos e regiões em Angola. Concentraram tudo ou quase tudo em Luanda, daí o facto de cerca de 70 por cento da população de Angola continuar a viver na pobreza".
Riquezas não exploradas
Segundo a Câmara de Comércio e Indústria de Angola, o país é potencialmente um dos países mais ricos da África subsaariana, em termos agrícolas. No entanto, apenas uma pequena parte da sua terra arável é utilizada para a agricultura.
Por outro lado recursos naturais como o petróleo e os diamantes abundam no país. E de acordo com as Nações Unidas, o petróleo constitui 96%, quase a totalidade, das exportações do país.
"É evidente que também hoje se assiste em outras áreas do país a produção agrícola, o surgimento de alguma indústria, o desenvolvimento do comércio... Mas tudo isto está condicionado pelo petróleo", critica o professor de economia da Universidade Católica de Luanda, Justino Pinto de Andrade. "E quando o petróleo condiciona o desenvolvimento nas outras áreas, significa que um mau momento para o petróleo se transformará também num mau momento para as outras áreas", argumenta.
O professor de economia, que também é presidente do partido da oposição Bloco Democrático, lança ainda um apelo: "Nós temos que alargar o leque da nossa atividade económica. Temos que reduzir cada vez mais a nossa dependência em relação ao petróleo. Ainda não estamos a conseguir isto com êxito. Nós estamos fortemente dependentes do petróleo".
Corrupção
Mas o certo é que apesar de todo o potencial em recursos naturais, a população raramente beneficia dos dividendos das riquezas do país. Abílio Kamalata Numa, secretário geral da UNITA, acredita que esta situação se deve aos "níveis de corrupção, que são tão altos no país, que a maior parte do dinheiro do setor extrativo, do petróleo e dos diamantes, é desencaminhado para mãos indevidas".
Norberto Garcia, o secretário dos assuntos políticos, eleitorais e económicos do MPLA, não acredita, que esse seja o motivo da falta de acesso aos recursos por parte da população: "É necessário que nos capacitemos e possamos saber como extrair as nossas potencialidades em termos de recursos. Não vale a pena estarmos sentados por cima de um barril de petróleo se não o soubermos tirar de lá. Não vale a pena sentarmo-nos em cima de uma mina de outro ou de diamantes se não soubermos retira-los de lá".
Petróleo e diamantes: Bênção ou Maldição?
"Alguém disse que Deus abençoou Angola, no sentido em que lhe ofereceu potencialidades em recursos naturais - os mais conhecidos são o petróleo e os diamantes -, mas esqueceu-se de nos dar juízo", diz o rapper MCK entre risadas.
Mas logo se põe sério e continua: "Então eu acho que pode ser uma faca de dois gumes. Foram esses dois bens que patrocinaram a guerra, patrocinaram a destruição do angolano. São esses dois bens que por intermédio da corrupção tornam os angolanos mais pobres, enriquecendo uma pequena minoria". Segundo MCK, a vontade política vai determinar se essa benção dos recursos naturais vem para o bem ou para o mal das pessoas.
10 anos de paz?
Mas passados dez anos de paz, os recursos que patrocinaram guerra não conseguem patrocinar a paz. Paz essa que nas palavras do secretário do MPLA, partido no governo passa por vários aspectos: "A paz para os angolanos terá de ser essencialmente a paz social, a paz política a paz econômica. E que todos nós possamos sentir que estamos a viver um momento diferente graças a uma compreensão única que os angolanos de uma forma geral têm de comum e de particular em cada um de nós", enumera o político do MPLA.
Abílio Kamalata, que é um dos antigos generais da UNITA, que ainda chegaram a lutar com Jonas Savimbi, está desiludido: "Uma paz sem voz, não é paz. É medo! Nós aqui em Angola, ainda lutamos para o direito à vida. E isso significa que em termos de liberdades consagradas na constituição não usufruímos nenhuma".
E no norte de Angola, no enclave de Cabinda, ainda persiste um conflito bélico.
Um futuro com desafios
"Angola ainda tem muitos desafios. Acho que alguns dos investimentos que foram feitos ainda se vão traduzir talvez no bem estar da população", diz Markus Weimer, analista político da organização independente Chatham House em Londres. Acrescenta: "Também tem de se adicionar mais esforços. A criação de emprego, a criação de um setor privado vibrante, é muito mais difícil do que construir uma estrada ou uma ponte".
Ou seja, segundo Weimer, a consolidação da paz em Angola passa por um investimento humano e não unicamente material.
Autora: Carla Fernandes
Edição: Johannes Beck