Receio de mais violência
1 de setembro de 2016A DW contactou por telefone o membro da oposição presente na sede no momento do ataque. Jude Bertrand Mecam qualificou a situação de catastrófica e descreveu um cenário de violência e destruição: “Estou a ouvi-los subir os andares. Vamos ser presos a qualquer momento. Já estão a arrombar as portas”.
O líder da Frente Unida da Oposição pela Alternância (FUOPA), Jean Ping, que não se encontrava no local na altura do assalto, anunciou que duas pessoas morreram, e numerosas ficaram feridas, na madrugada de quinta-feira (01.09): “Foi a Guarda Republicana. Bombardearam com helicópteros e assaltaram por terra”.
Resultados contestados
Um porta-voz do Governo explicou que o assalto foi levado a cabo para apreender os “criminosos” que tinham posto fogo ao edifício do Parlamento, na capital, Libreville, na noite anterior. A Assembleia Nacional foi atacada por manifestantes que saíram à rua em protesto contra a reeleição do Presidente Ali Bongo. Os confrontos entre manifestantes e forças de segurança começaram durante a tarde de quarta-feira (31.08), depois de a Comissão Eleitoral Nacional ter anunciado a vitória à justa de Ali Bongo com 49,8 por cento dos votos nas presidenciais de 27 de agosto, contra 48,2 por cento para o seu adversário Ping.
A oposição gabonesa contesta os resultados. Em entrevista exclusiva à DW, o líder da oposição, Jean Ping defende que a solução para crise é: " o que estamos fartos de exigir, e o que pretende também a maioria dos governos no mundo ocidental: a recontagem dos votos em todos os locais. Só assim saberemos a verdade. Mas ele (Bongo) não quer. Proclamou os resultados que lhe apeteceu proclamar".
Inéditas na história política do país são, no entanto, as afirmações do secretário geral do Partido Democrático do Gabão (PDG), no poder há várias décadas. Faustin Boukoubi distanciou-se publicamente do Presidente Bongo e exigiu à Comissão Eleitoral que “tome todas as disposições idóneas a fim de publicar resultados fundamentalmente credíveis”.
Sociedade profundamente dividida
Para os analistas, a violência que se seguiu ao anúncio dos resultados das eleições, não constitui surpresa. Christopher Fomunyoh, da organização não governamental National Democratic Institute (NDI), sublinha que o país já estava profundamente dividido antes do escrutínio, e que as tensões eram palpáveis: “Os protestos mostram que uma parte da população rejeita os resultados anunciados, e a outra está satisfeita com os mesmos. Ou seja, a situação é muito insegura. Urgem reformas e medidas concretas ara assegurar a coesão nacional”.
No momento em que acontecia a violência, o chefe de Estado Ali Bongo felicitou-se pela forma “exemplar” em que decorreram as eleições. A avaliação não é partilhada pela comunidade internacional: a União Europeia, a França e os Estados Unidos da América exigiram a publicação dos resultados em todos os cerca de 2500 locais de voto no país.
O papel da França
O que levou o porta-voz do Presidente reeleito, Alain Claude Nze, a acusar a França, e mais concretamente o Partido Socialista no poder em Paris, de interferir nos assuntos internos do Gabão. Nas eleições de 2009, que deram a vitória a Bongo,os gaboneses acusaram a antiga potência colonial de apoiar o filho de Omar Bongo, que dirigiu o país durante quatro décadas, e cuja ligação íntima com todos os quadrantes políticos franceses é lendária. Omar Bongo foi um dos pilares africanos da chamada “Françafrique”, termo pejorativo aplicado à política neo-colonialista que Paris manteve nas ex-colónias durante muitos anos.
Ainda hoje vivem no Gabão cerca de 14 000 franceses, um pequeno país de 1,8 milhões de habitantes, rico em matérias primas. A França mantém ali uma base militar. Ainda assim preconiza o investigador e acadêmico francês Roland Marchal em entrevista com a DW: “Tendo em conta os interesses franceses no Gabão, e independentemente do que possam dizer dos partidos naquele país, no final o Estado francês vai mostrar-se muito conservador”, aceitando, nomeadamente, o novo mandato de sete anos de Ali Bongo.
Violência alastra-se
O ativista e representante da sociedade civil gabonesa, Marc Ona, não tem dúvidas que a situação é já hoje pior do que o momento de violência que se seguiu às eleições de 2009 conforme disse à DW: “As dimensões são maiores, a Assembleia Nacional foi incendiada, houve gente que foi presa, o quartel-general de Jean Ping foi completamente saqueado pela polícia”.
Para este ativista impõem-se a conclusão: “Mais uma vez Ali Bongo demonstrou que só sabe governar pela força. Sempre que há eleições, coloca o exército e a Guarda Republicana nas ruas: a sua milícia privada”.
Entretanto, a violência alastrou-se a outras partes do país. Contatado pela DW, um habitante de Lambaréné, que deu o nome Jean-Louis, diz que na capital da província de Moyen-Ogooé várias estabelecimentos comerciais foram saqueados e destruídos. A população ergueu barricadas nas estradas de acesso e não deixa entrar as forças de ordem: “Puseram fogo ao aeroporto e a muitos carros. As pessoas estão em fúria por causa da situação. Todo o povo gabonês votou por Jean Ping, que era o favorito, especialmente nesta região.”
A mudança desejada
A especialista em assuntos gaboneses Kamissa Camara salienta que a escassa diferença de votos entre Bongo e Ping não é expressão “de grande popularidade de Jean Ping”, mas um indício claro de que os gaboneses desejam a mudança. Para o que, acrescenta em entrevista com a DW, os dois rivais “deviam juntar as forças e fomentar a conciliação”. Afinal, Ping foi durante muito ministro dos Negócios Estrangeiros de Bongo, e tem dois filhos com uma irmã do Presidente, e apenas tirou partido “do facto da dinastia Bongo já não ser tão poderosa como há dez ou vinte anos”.
*Com Maria João Pinto