Demolições separam famílias e deixam crianças sem escola
14 de agosto de 2013Calcula-se que mais de 100 casas seriam demolidas, esta quarta-feira (14.08), no bairro Margoso, nas proximidade do Hospital do Prenda, município de Maianga. Os residentes receberam uma convocatória do governo de Luanda para abandonarem as suas casas e que seriam encaminhadas para a zona do Zango IV, município de Viana, na província de Luanda.
A maioria das famílias sujeitas a esta medida está apreensiva. Dizem que Zango IV não tem as mínimas condições de habitabilidade e que ficarão distantes dos seus empregos, o que poderá pôr em risco o seu sustento. Além disso, muitas crianças serão forçadas a mudar repentinamente de escola.
Jacinto Pio Wacussanga é padre católico, sociólogo e presidente da Associação Construindo Comunidades, com sede na cidade do Lubango, província da Huíla, Sul de Angola.
O padre Pio é uma das vozes que, nos últimos anos, se tem erguido contra as demolições e o desalojamento de famílias em todo o país. Em entrevista à DW África, o padre Pio falou sobre o impacto das demolições e das deslocações sobre a vida das comunidades.
DW África: Quais as consequências das demolições e deslocações forçadas para as pessoas afetadas e suas famílias?
Jacinto Pio Wacussanga (JPW): Qualquer demolição, nestas condições, sem aviso prévio, e sem a observação das normas internacionais, nomeadamente, o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e outros instrumentos bem como a Constituição têm consequências económicas, sociais e também psicológicas. As pessoas estão deslocadas, ficam distantes dos seus mercados, dos locais de trabalho (quer trabalho formal ou informal) hospitais e até dos serviços sociais. E em geral, nas zonas para onde vão não têm acesso a água, por exemplo, muitas crianças depois das demolições perderam o ano letivo, os jovens perderam os seus espaços, as suas redes sociais, aumenta a delinquência e o desemprego.
DW África: No que diz respeito às consequências psicológicas, conhece alguns exemplos específicos?
JPW: Muitos dos que perderam as suas casas adquiriram-nas quando ainda tinham possibilidade de erguê-las. Alguns já estão na casa dos 60, 70, 80 anos e já não têm força nem recursos para poderem erguer novas moradias. E então ficam dependentes de outros parentes.
Há casais que se separam porque, por exemplo, o marido já não aguenta ter uma nova casa, a esposa tem de se encostar a um parente com as crianças, aumentam os desentendimentos no casal. Consequentemente isso provoca, de facto, a separação.
DW África: Há casos de traumas e desespero no seio de famílias?
JPW: Há gestantes que em função da deslocação forçada sofrem traumas e algumas delas abortam. E até há algumas pessoas que se suicidam nessas circunstâncias. Por causa de tanto desespero, perdem o emprego, acesso ao mercado, casa, família, auto-estima, teto e não vêem outra solução, infelizmente, a não ser acabar com a própria vida.
São estas consequências e outras, pois a lista não é exaustiva, que podem ter as demolições forçadas. Por exemplo, no caso de Lubango, nós conseguimos contabilizar 24 pessoas que morreram em função das demolições. Então não sei por que razão o Governo angolano insiste na mesma metodologia de demolir casas sem cumprir com os pressupostos legais.
DW África: E quais são, normalmente, as razões evocadas pelas autoridades, para as demolições?
JPW: São grandes empresas que, já tendo ligações políticas de alta hierarquia, movimentam os seus interesses, fazem lóbis e pressionam para que haja demolições porque não se pode perder dinheiro.
Por exemplo, no caso do Caminho-de-Ferro do Namibe estão envolvidos interesses da própria Casa Militar. Outro exemplo sobre Luanda é que no sítio onde foi erguido o Estádio 11 de Novembro eram pequenas quintas de muitos camponeses que cultivavam mandioca, batata-doce, gengibre, cajú, mangueiras. Tudo isso ajudava as “mamãs” a criarem alguma renda para se poderem aguentar. Ora, tudo isso foi literalmente varrido em nome do tal interesse superior. O pior é que as pessoas não foram ainda indemnizadas, algumas estão doentes, outras são idosas, outras hão-de acabar por morrer frustradas.
De facto, por trás disso estão grandes interesses. Mesmo sobre a requalificação de Luanda, eu penso que muitos arquitetos não foram consultados. E muitas obras-primas do passado, do tempo colonial, em vez de serem conservadas estão a ser literalmente varridas da História, dando cabo da memória coletiva do povo.