Delfim Neves desmente Patrice Trovoada e denuncia conluio
11 de abril de 2023O ex-presidente do Parlamento são-tomense não compreende a narrativa do primeiro-ministro, Patrice Trovoada, ao relacionar o assalto ao quartel das Forças Armadas no dia 25 de novembro de 2022 com a alegada venda de terrenos na Praia das Conchas, onde estava prevista a construção de um complexo turístico.
Patrice Trovoada, líder da Ação Democrática Independente (ADI), disse, numa recente comunicação através das redes sociais, que o envolvimento de Delfim Neves na intentona está relacionado com negócios ilícitos de venda de terrenos do Estado envolvendo interesses estrangeiros.
Em entrevista exclusiva à DW, Delfim Neves, que voltou a Portugal para tratamento, considera que esta "é uma falsa questão", criticando, quanto à recente tentativa de levantamento de imunidade de deputado, o conluio da Procuradoria-Geral da República (PGR) são-tomense para manchar o seu nome usado como "álibi".
Segundo Delfim Neves, o foco em todo este processo "são os trágicos acontecimentos do dia 25 de novembro de 2022" e a morte dos quatro homens no quartel, "que não podem ser sucumbidos, de modo algum, por uma operação meramente comercial de 2021".
Desmente ainda o chefe do Executivo, com o argumento de que a lei fundiária do país não permite tal ação: "A lei fundiária são-tomense proíbe categoricamente a venda de terrenos do Estado. A venda de terrenos de Estado em STP é proibida, nem o próprio Estado pode vender, aliás estamos a falar de um bem imóvel."
Sublinha, a propósito, que "não houve venda de terrenos", mas sim "uma transação comercial" de terras que estavam sob a tutela do Grupo FALCON, do qual fazia parte Arlécio Costa, um dos quatro mortos no dia 25 de novembro de 2022.
Polémica venda de terrenos
De acordo com uma fonte não oficial ouvida pela DW, os referidos terrenos, antes destinados à construção de um complexo turístico, foram concessionados a um grupo alemão, por intermédio do empresário Titus Gibel, radicado no Mónaco, para lá se erguer uma cidade privada para 35 mil pessoas, com a concordância do anterior Governo de Jorge Bom Jesus.
A mesma fonte refere que os terrenos, que estavam provisoriamente na posse da CNN, empresa de Delfim Neves, foram concessionados por mais de um milhão de euros.
O ex-presidente do Parlamento esclarece que "não se pode confundir a venda de ações ou a transação de uma sociedade comercial com a venda de terrenos", que continuam em nome da referida empresa.
"Tudo foi feito de forma transparente, legal. Não houve nenhuma simulação de venda das ações. Foi no guiché único onde se fez a escritura pública de transição das ações. Ou seja, as ações da empresa CNN, que pertenciam ao sócio da empresa então foram transferidas para o sócio da empresa alemã [Titus Gebel]", diz.
O deputado afirma que o montante em causa foi transferido para a China a partir de um banco suíço, em nome de uma empresa chinesa, e nega que o dinheiro tenha sido depositado na sua conta no exterior do país.
"Não existe porque o valor foi para apoiar a campanha política [nas eleições presidenciais de 2021] de Delfim Neves e outros candidatos, que eu não vou aqui referir o nome para estar a falar o nome das pessoas sem a sua autorização", justifica.
Trovoada aponta dedo a políticos
Na comunicação que fez no passado dia 25 de fevereiro, em reação ao inquérito do Ministério Público sobre a aludida tentativa de golpe de Estado, Patrice Trovoada apontou o dedo a políticos como Delfim Neves, e Jorge Bom Jesus, líder do MLSTP, então primeiro-ministro, que sabiam há vários meses antes dos preparativos daquilo a que chamam de "inventona".
"Está claro que Patrice Trovoada não tem nada a ver com isso tudo. Está claro que, de perto ou de longe, Delfim Neves tem a ver com isso, Jorge Bom Jesus tem a ver com isso… Todos eles têm no mínimo responsabilidade moral daquilo que aconteceu."
Os mesmos que se apoderam dos bens do Estado, das suas posições para despir o Estado, para roer o Estado, para acabar com os bens do Estado em benefício próprio, até ao ponto de criar destabilização do país para encher as suas contas nos bancos portugueses."
Trovoada, que falava através das redes sociais na qualidade de líder da Ação Democrática Independente (ADI), afirmou que "nessa operação, por aquilo que aparece, tem muito a ver com uma questão de terrenos, de venda de terrenos. Mais uma vez, em nome do dinheiro, em nome da ganância, em nome da corrupção, por todas as razões é que aconteceram os malogrados mortos e essa tentativa de golpe de Estado do dia 25 [de novembro]. Sejamos claros."
Terrenos, segundo referiu, que foram vendidos a interesses estrangeiros por mais um milhão de euros.
"Pretexto para montar inventona"
Na referida comunicação, Patrice Trovoada considerou insuficientes as provas sobre o envolvimento de Neves na tentativa de golpe de Estado, depois da decisão do Ministério Público que ilibou o ex-presidente do parlamento.
"Mas nós todos sabemos quem é Delfim Neves não só neste caso, mas em vários casos. E nós todos temos a convicção que tudo quanto se faz aqui um dia se paga aqui", sublinhou.
Delfim Neves contesta a relação entre este "negócio" e a aludida tentativa de golpe de Estado. "Foi um pretexto encontrado para montar esta inventona, colar-me como se fosse o financiador, na perspetiva de que um milhão e 300 e tal euros que se pagou no contrato de concessão de cedência da sociedade estava na conta de Delfim Neves. Portanto, tudo isso foi forjado. Quem não beneficiou de um terreno do Estado enquanto estava no poder?"
Por outro lado, não entende a persistência de Patrice Trovoada ao pedir "investigação mais profunda" sobre o seu suposto envolvimento naquilo a que chama de "inventona", depois do Ministério Público ter decidido encerrar o seu processo por falta de provas.