Médicos: o produto "estrela" de exportação de Cuba
20 de dezembro de 2018No dia 12 de dezembro, chegou a Cuba o último dos voos que repatriavam os profissionais de saúde que trabalhavam no Brasil no ámbito do programa “Mais Médicos” desde o ano 2013. Em novembro de 2018, Jair Bolsonaro, o Presidente eleito do Brasil, informou através do Twitter que “Cuba fica com a maior parte do salário dos médicos” e “restringe a liberdade desses profissionais e de seus familiares”.
O Ministério da Saúde Pública de Cuba respondeu: “Não é aceitável pôr em questão a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que prestam os serviços com o apoio das suas famílias,” e tomou a decisão de retirar do Brasil os profissionais de saúde cubanos do programa “Mais Médicos”.
Mais de 60 países do mundo têm médicos de Ccuba
Mesmo com a saída dos médicos do Brasil, as missões internacionais cubanas ainda continuam a prestar serviços de saúde em mais de 60 países do mundo. São aproximadamente 50,000 os profissionais de saúde cubanos que trabalham no estrangeiro, muitas vezes nas areas de difícil accesso e vulneráveis. Como é que chegou um país relativamente pequeno como Cuba a capacitar suficientes profissionais não só para atenderem as necessidades do setor de saúde da ilha, más também para os enviar às missões internacionais?
A história das "batas brancas" de Cuba
A primeira missão médica internacional saiu de Cuba no dia 23 de maio de 1963. Cerca de 50 profissionais de saúde viajaram como voluntários à Argélia, um país que no ano anterior tinha logrado a independência da França.
Antes da independência, a maioria dos médicos no país eram franceses. Na Argélia pós-guerra, um país em reconstrução, faltavam profissionais de saúde. Foi Fidel Castro, o Presidente cubano, quem convocou os voluntários para que fossem à Argélia. “Hoje podemos mandar 50. Quem sabe quantos dentro de oito ou dez anos, para poder ajudar aos nossos povos irmãos. Porque cada ano vamos ter mais médicos”, disse Castro num discurso.
Naquela época, também Cuba começava a reconstruir o seu sistema de saúde. Durante três anos a Universidade de Havana tinha estado fechada por decisão do ditador cubano Fulgencio Batista. Reabriu em 1959, depois da vitória da Revolução Cubana de Castro.
Dos aproximadamente seis mil médicos que ficaram no país depois da revolução vários tornaram-se professores universitários e dedicaram-se ao ensino e formação de profissionais de saúde.
Muitas faculdades formam médicos em Cuba
Hoje, 13 universidades, 25 faculdades de ciências medicas, quatro faculdades de odontologia e outras faculdades, escolas e filiais delas formam profissionais de medicina em Cuba, como informa o Ministério de Saúde do país.
Segundo o ministério, Cuba terminou o ano 2017 com quase 92.100 médicos, incluindo os a trabalhar nas missões no estrangeiro. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, Cuba é um dos países com o maior taxa de médicos per capita no mundo, com 670 médicos por 100.000 habitantes. Quase o dobro da Alemanha com apenas 380 médicos por 100.000 habitantes ou Portugal (343) e muito mais do que em países africanos como São Tomé e Príncipe (49), Cabo Verde (30), Angola (17 médicos), Guiné-Bissau (7) Moçambique (4).
Muitas vezes os voluntários no estrangeiro trabalham em localidades aos quais não chegam ou não querem chegar os médicos locais. Como frisou o Ministério das Relações Exteriores de Cuba, os médicos cubanos no Brasil trabalhavam “nas zonas rurais, na Amazônia, nas comunidades indígenas e nas áreas de risco, aonde não iam outros médicos”. No total, mais de 8.300 profissionais cubanos trabalhavam no programa “Mais Médicos” no Brasil.
A saúde como principal bem de exportação de Cuba
Mas os serviços dos médicos cubanos no estrangeiro são também principal fonte de ingressos económicos da Ilha de Cuba, superando os ingressos do turismo. Citado por várias publicações internacionais, o ex-ministro de Economia de Cuba, José Luís Rodríguez, tinha afirmado que a exportação dos serviços profissionais trazia à ilha um estimado de 11.500 milhões de dólares anuais.
Os médicos cubanos no Brasil só recebiam 30% do salário do programa “Mais Médicos” e o resto, como afirmou o Ministério das Relações Exteriores de Cuba, era investido no desenvolvimento dos serviços universais do sistema de saúde cubano.
Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde de Cuba pagava 100% do salário cubano (o que corresponde a menos de 70 dólares por mês) aos colaboradores do programa. O ministério justificou a soma, pois são os próprios voluntários que "de maneira livre e por escolha pessoal decidem compartilhar os salários como meio para fortalecer o sistema de saúde cubano." Em Cuba, tanto o sistema de saúde como o educativo, são gratuitos - e para sé-lo duma ou de outra maneira têm de ser financiados.
O fim do programa “Mais Médicos” no Brasil pode ser um golpe para a economia cubana. Por outro lado: se o trabalho dos médicos cubanos no Brasil era mesmo um incentivo tão importante para a economia da ilha, por quê o Governo de Cuba decidiu retirar os seus profissionais? Também através de Twitter, o Presidente cubano Miguel Díaz-Canel afirmou: "Os princípios não se negociam, defendem-se".