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Dívidas ocultas: "Estado moçambicano é o culpado"

3 de dezembro de 2019

Para o analista Baltazar Fael, do CIP, a decisão da Justiça norte-americana sobre Jean Boustani não é "uma derrota para o povo", porque o verdadeiro culpado das dívidas é o próprio Estado moçambicano.

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Baltazar Fael, analista do Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP)Foto: DW/A. Cascais

Considerado o cérebro do escândalo financeiro que resultou nas dívidas ocultas moçambicanas, Jean Boustani foi ilibado esta segunda-feira (02.12) pelo tribunal norte-americano onde estava a ser julgado.

Para o analista moçambicano, Baltazar Fael, do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique, esta decisão do Tribunal Federal de Brooklyn, em Nova Iorque, "não pode ser considerada uma derrota para o povo moçambicano".

Em entrevista à DW África, Fael considera que o culpado neste momento é o Estado moçambicano que "se deixou enganar, porque não tomou as devidas precauções para evitar este escândalo".

Dívidas ocultas: "Estado moçambicano é o culpado"

DW África: Que avaliação faz da decisão do Tribunal Federal de Brooklyn?

Baltazar Fael (BF): A sentença que foi proferida e que acabou inocentando Jean Boustani está a parecer, na minha ótica, uma derrota, em termos latos, para o próprio Governo de Moçambique. Isto não deve ser visto como uma tragédia para aquilo que sempre foi a luta da sociedade civil e de outros segmentos da sociedade, na medida em que o júri norte-americano, no fundo, quer dizer que o culpado por aquilo que aconteceu, de facto, é o próprio Governo moçambicano, que não tomou as medidas necessárias para que Jean Boustani não fizesse aquilo que fez. A partir daqui, o que vai surgir é: afinal de contas, que medidas de precaução é que o Governo tomou para que Boustani não fizesse aquilo que fez?

DW África: Daqui para a frente, o que se espera?

BF: O que se espera é, cada vez mais, uma ação enérgica por parte da nossa Procuradoria-Geral da República, no sentido de perceber que contornos levaram a que não se seguisse este dever de cuidado por parte do Estado moçambicano, para evitar todas as possibilidades de ser enganado por esses indivíduos, inclusive o próprio Jean Boustani, que foi inocentado.

DW África: Quem serão, então, os culpados se o considerado cérebro deste esquema financeiro foi inocentado?

BF: Não há dúvidas que os culpados aqui são aqueles que se deixaram enganar: o Estado moçambicano, que não tomou as devidas precauções para evitar que Jean Boustani nos conseguisse enganar. Até porque o próprio Estado, neste momento, está a começar a pagar esta dívida.

Explica-me as dívidas ocultas de Moçambique

DW África: Acha que os Estados Unidos estão em condições, neste preciso momento, de acusar o Estado moçambicano?

BF: Penso que os Estados Unidos têm toda a matéria neste sentido. Se há uma decisão judicial nos Estados Unidos da América, e nós sabemos que a legislação americana tem tentáculos e chega a quase todos os cantos do mundo, os norte-americanos estão numa posição de dizer que, a partir de agora, o Estado moçambicano deve pagar esta dívida. Penso que o ónus passa claramente para o Estado moçambicano.

DW África: Na sua opinião, esta "novela" está fechada ou vai-se abrir um novo capítulo?

BF: Penso que isto não está fechado para as autoridades norte-americanas. E nem o processo que está a correr a nível do Tribunal Administrativo, nem o processo que está a correr na Procuradoria-Geral da República estão encerrados.

DW África: Então, os protagonistas do próximo capítulo são os co-conspiradores que foram citados no julgamento?

BF: Claramente. Não há dúvida absolutamente nenhuma. E eu desafio outros titulares de cargos públicos e políticos que foram acusados de serem conspiradores a continuarem a ter a mesma vida que têm: a viajar para o estrangeiro, a fazer tratamentos médicos em outros países… Esta liberdade de circulação... Nós haveríamos de verificar que muitos deles, a partir dos dados que foram lançados por este julgamento, terão bastante receio em continuar a ter o mesmo nível de liberdade para ir a qualquer parte do mundo.