Covid-19 pode provocar danos cerebrais graves
14 de julho de 2020Há muitos indícios de que o novo coronavírus ataca não só os pulmões e o aparelho respiratório humano, como também outros órgãos, e em grande escala. Pode afetar gravemente o coração, os vasos sanguíneos, os nervos, os rins e a pele.
Neurologistas britânicos publicaram os pormenores da investigação na revista "Brain" e sugerem que o vírus SARS-CoV-2 possa causar graves danos cerebrais, mesmo em pacientes com sintomas leves ou em recuperação. Muitas vezes, esses danos não são sequer detetados ou são detetados muito tarde.
Os cientistas da University College London (UCL) diagnosticaram encefalomielite aguda disseminada (ADEM) em nove pacientes britânicos diagnosticados com Covid-19. Esta é uma doença inflamatória que provoca a destruição degenerativa do sistema nervoso central e afeta nervos no cérebro e na medula espinal.
Dimensão dos danos
Entre os 43 pacientes examinados, 12 sofriam de inflamação no sistema nervoso central, dez de encefalopatia transitória (doença cerebral), com sintomas de delírios ou psicose.
Além disso, oito sofreram um acidente vascular cerebral (AVC) e outros oito apresentavam problemas nos nervos periféricos, principalmente com o diagnóstico da Síndrome de Guillain-Barré (SGB) - uma reação imunológica que ataca os nervos e causa paralisia, sendo fatal em 5% dos casos. Uma mulher de 59 anos morreu devido a complicações.
Os cientistas nunca viram outro vírus atacar o cérebro da mesma forma que o vírus causador da Covid-19, comenta o médico Michael Zandi, o autor principal do estudo. Algo incomum são os danos cerebrais graves mesmo em pacientes com sintomas leves.
Danos raramente reconhecidos
Os casos agora publicados confirmam o medo de que a Covid-19 cause problemas de saúde a longo prazo em alguns pacientes. Muitos deles continuam sem fôlego e cansados muito tempo depois da sua recuperação. Outros pacientes em recuperação relatam dormência, fraqueza e problemas de memória.
Biologicamente, a encefalomielite aguda disseminada tem algumas semelhanças com a esclerose múltipla. Porém, é mais grave e geralmente ocorre apenas uma vez. Alguns pacientes ficam com uma incapacidades prolongada, enquanto outros recuperam bem, explica o médico Zandi.
Mas ainda não se conhece todo o espectro de doenças cerebrais e efeitos colaterais de longa duração causados pelo vírus SARS-CoV-2, disse Zandi. Isso porque muitos pacientes nos hospitais estão demasiado doentes para serem examinados com equipamentos cerebrais, ou mesmo outros métodos.
Devido à sobrecarga, os danos neurológicos ou efeitos tardios não são detetados, ou são detetados tarde demais.
Casos chocantes
"Gostaríamos de chamar a atenção dos médicos de todo o mundo para as complicações causadas pelo coronavírus", afirma Zandi. Os médicos e as suas equipas devem consultar sempre um neurologista para tratar os pacientes com sintomas cognitivos, problemas de memória, fadiga, dormência ou fraqueza.
No estudo, também foram publicadas histórias comoventes, como a de uma mulher de 47 anos que, de repente, sentiu dores de cabeça e dormência na mão direita após uma semana de tosse e febre. No hospital, ela cansou-se e deixou de reagir. Durante uma operação de emergência, parte do crânio teve que ser removida para aliviar a pressão no cérebro, já inchado.
Outra paciente de 55 anos, que nunca havia apresentado qualquer doença mental, começou a comportar-se estranhamente um dia depois de deixar o hospital. Vestiu e tirou o casaco repetidas vezes. Começou a ter alucinações - via macacos e leões na sua casa. De volta ao hospital, recebeu medicação antipsicótica.
Gripe espanhola
A gripe espanhola causou a morte de entre 20 e 50 milhões de pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), com casos de pessoas com danos cerebrais.
Agora, os neurologistas britânicos temem que a Covid-19 possa causar danos, ainda que sutis, no cérebro de alguns pacientes, algo que apenas se perceberá com o passar dos anos.
Segundo o estudo, houve efeitos colaterais duradouros semelhantes aos descobertos naqueles que se recuperaram da devastadora gripe espanhola de 1918 - pelo menos um milhão de pessoas terá ficado com danos cerebrais.
"É claro, esperamos que isso não aconteça, mas quando temos uma pandemia a afetar uma parte tão grande da população, temos de estar atentos", explicou o médico Dr. Michael Zandi.